sexta-feira, 30 de setembro de 2016

ROMBO NO IPESP pronunciamento Maria Garcia


IPESP: VEJA O QUE ACONTECEU COM O NOSSO DINHEIRO !

Veja abaixo a íntegra do pronunciamento:

X Seminário Nacional TCMSP- Previdência Social dos Servidores Públicos – Regime e Gestão

 Período: 08 a 10 de Outubro de 2007  Dia: 10/10/2007

Palestrante: Maria Garcia – Procuradora do Estado Aposentada, Professora Assistente-Mestre de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC/SP e Assessora Jurídica da Universidade de São Paulo

Tema: Visão Crítica das Emendas Constitucionais na Previdência dos Servidores

Muitíssimo grata por sua recepção calorosa e amiga; realmente, eu me sinto bem aqui, não é a primeira vez que venho. A admiração que tenho por este órgão de Tribunal de Contas do Município, que nós acompanhamos nos estudos de Direito Constitucional, de modo que a satisfação e a honra são toda minha, pelo prazer de estar aqui. E, principalmente, por constar de uma platéia de servidores públicos. Eu, realmente, fui Procuradora do Estado, durante 33 anos, no Instituto de Previdência do Estado, que hoje vi ser extinto – com muita tristeza, e vou logo mais dizer por quê –, e também tive a honra de servir na consultoria da reitoria da USP, depois, já aposentada durante quase oito anos, de modo que eu me considero uma servidora pública, ainda. E admiro os servidores públicos, e é nisso que vamos falar nesta tarde, a partir deste tema, de uma visão crítica das emendas, de reforma previdenciária.

Como foi dito antes, três Emendas Constitucionais modificando, substancialmente, o sistema previdenciário público no Brasil, e, depois, também, o sistema do regime geral de Previdência Social no Brasil. Eu não sei por onde começar, porque são tantos os assuntos que me vêm à mente. Das coisas que foram faladas aqui, eu tive o prazer de ouvir o meu antecessor falando exatamente da Previdência do Estado e do Instituto de Previdência do Estado. Mas vamos lá. Procurar dar uma ordem às idéias, porque, realmente, são muitas coisas a colocar.

A primeira delas é sobre o próprio sistema previdenciário. O sistema previdenciário faz parte do todo sistema jurídico brasileiro, que começa com a Constituição Federal e se estende através das Leis Ordinárias, Leis Complementares, Portarias, Circulares, e Resoluções. Então, o servidor público conhece esse tipo de legislativa, e isso tudo forma um sistema, que é um conjunto de elementos ordenados entre si para uma finalidade comum. Então, o sistema previdenciário. E esse sistema cuida, exatamente, da Previdência Social. O que é Previdência Social? Previdência Social é um sistema que estabelece um conjunto de medidas de proteção ao trabalhador quando este trabalhador, por uma questão emergencial de idade avançada, de enfermidade e de acidente do trabalho, ele se veja obrigado a parar. E como a única força de manutenção é a sua força de trabalho, então a Previdência, através do benefício da aposentadoria substitui o salário do trabalhador. É essa a Previdência Social. É muito simples: medidas de proteção ao trabalhador e aos seus dependentes, através da pensão por morte. E isso se espalha pelo mundo inteiro.

Os problemas que nós ouvimos aqui existem em todos os países. Até nos países mais desenvolvidos, vocês devem ter lido, anos atrás, no governo Ronald Reagan, a necessidade de modificar uma série de normas da previdência social norte-americana. A Alemanha também se ressentiu do problema: é um sistema previdenciário avançado, extraordinário, de proteção ao trabalhador e a sua família. E, é claro que, dadas as mudanças econômicas e financeiras do mundo e do próprio país, aqui e ali eles também se vêem com dificuldade. Mas a questão primeira é esta: quem é deve gerir, portanto, a Previdência Social?, que se compõe de contribuições dos trabalhadores durante certo número de anos, para que, na emergência de idade avançada, de enfermidade ou de um acidente do trabalho, ele tenha o seu salário substituído por um provento de aposentadoria. Essa é a base, é a filosofia da Previdência Social. Não tem segredos na Previdência Social. Os segredos nós vamos ver quais são. Então, é necessário que o próprio Estado seja o gestor da Previdência Social. Porque, para bancar os ônus da Previdência Social, não é fundo qualquer, ou como é no sistema chileno: os sindicatos é que gerem a economia dos trabalhadores, as contribuições dos trabalhadores. E, agora, esse sistema que está sendo implantado pela Lei nº 1.010 é uma cópia, é uma espécie de adequação do sistema chileno. O sistema chileno estabelece um benefício X pago pelo Estado, igual para todos, e depois o trabalhador vai receber o excedente ou o “plus” através de seu sindicato, que é o sindicato que administra as contribuições dos trabalhadores. Como os senhores vêem, um sistema precário. Nós não temos, ainda, notícias; como o sistema é mais ou menos recente no Chile, nós ainda não temos notícias bastante satisfatórias de saber como está funcionando o sistema chileno. Então, não podemos dizer que ele seja bom. Eu vejo com muito medo que um sindicato venha a administrar as contribuições de toda uma vida do trabalhador. Isso é muito precário, porque no Brasil nós já tivemos, no passado, fundos de pensão – os senhores não lembram; nem é do meu tempo. Fundo União, montepios em que o gestor fugiam com a mala do dinheiro. É uma expressão vulgar. E as pessoas que participavam não tinham segurança nenhuma, porque entregavam as suas economias àquela entidade, o Estado sabia que existia aquela entidade, mas o Estado não se responsabilizava pelo dinheiro que era depositado nessas entidades. Vamos ver. Fundo União, montepio de não sei o quê de não sei o que lá, que as pessoas, os gestores, simplesmente, sumiam com o dinheiro e não havia garantia nenhuma. Então, para mim, é ainda o sistema europeu. No sistema europeu e boa parte dos sistemas americanos, com exceção do Chile, a Previdência é gerida pelo Estado. Porque é só o Estado que tem dinheiro o bastante para bancar a proteção do trabalhador. É isso que é a Previdência Social. Portanto, não podemos deixar na mão de gestores – vamos supor, particulares – que não seja o próprio Estado essas importâncias imensas que, quando chega a hora do trabalhador necessitar, se veja premido porque não é suficiente, porque houve um rombo na administração. Então esse é o primeiro ponto que eu quero colocar. Eu sou inteiramente favorável à gestão da Previdência pelo Estado. Porque só o Estado que tem a suprema autoridade e a verba para garantir ao trabalhador que, quando ele precise, ele tenha o substitutivo do salário. É isso a Previdência Social. Aquele salário que eu já não posso ganhar é substituído pela aposentadoria. E aí, nós sabemos, entra uma porção de problemas muitíssimo sérios. Por quê? Por que existe Estado? Por que existe essa máquina pesada e cara que nós carregamos, que se chama Estado? Para garantir três funções essenciais. Saúde, Educação e Segurança. Saúde, Educação e Segurança. Saúde gratuita, educação gratuita e segurança mediante contribuição, evidente, do próprio participante do fundo ou do sistema previdenciário. Quando se fala segurança, estamos falando da exata segurança de quê? De que, ao fim da contribuição, você possa receber a sua pensão ou a sua família possa receber a pensão que você deixou por morte. Pois bem, esse Estado, que tem por atribuição essencial – quer dizer, ele existe por isso. Não fosse isso, não precisávamos de Estado. Mas quem é que banca a saúde para toda a população, e não apenas para o cidadão? Quem é que banca educação para todos? O artigo 205 diz: “todos têm direito a educação.” “Todos” quer dizer “todos”. No território nacional, quem é que pode bancar? Somente o Estado. E a segurança, quem é que pode bancar a segurança? A segurança do trabalho, de você ter trabalho; a segurança pessoal de ir, vir, permanecer; a segurança de que, ao fim dos seus anos de contribuição, em idade provecta, ou na enfermidade, ou no acidente, você tenha um substitutivo do seu salário. Só o Estado pode bancar essa garantia, essa segurança. É por isso que existe o Estado. São três funções essenciais básicas.

Ora, o Estado, então, é que faz as leis. Poder Legislativo, Assembléias Legislativas, Câmaras Municipais, é o Estado. Tudo isso representa o Estado fazendo leis para nós. Então, na questão da segurança, nessa função essencial do Estado, é que nós vamos permanecer. Para os fins de atendimento à segurança, para que você tenha trabalho e que você tenha proteção previdenciária, então, foi estabelecido o sistema da seguridade social. Está lá no artigo 193, 194, da Constituição: “Sistema da Seguridade, compreendendo a saúde, a Previdência Social e a assistência social.” A saúde gratuita. A Previdência Social contributiva, e vamos ver por quê. E a assistência gratuita também. O artigo 196 diz: “Todos têm direito a assistência social.” Qualquer pessoa no território nacional tem direito a assistência social. Não é possível, mas existe pessoa dormindo na rua, morando na rua, mas isso é de um Estado que não está cumprindo a sua função de segurança. Mas vamos lá. Então a seguridade social, qual é a natureza? Dentro da seguridade social, nós vamos destacar a Previdência Social, que ela é contributiva. Qual é a natureza da Previdência Social? Qual é a natureza jurídica? O que se estabelece entre o trabalhador contribuinte e o Estado, que é o agente securitário da Previdência Social, hoje, no Brasil? Ainda não entrou esse fundo, o SPPrev; ainda não está funcionando. O que existe hoje? Existe um contrato de seguro social. Existe um contrato de seguro social, em que, pelo simples fato de você exercer uma atividade laboral, uma atividade de trabalho, você já é associado do Instituto de Previdência Social. É o que diz o regime geral da Previdência Social. Você ingressa no trabalho. Eu estou falando, por ora, dos trabalhadores em geral; depois nós vamos entrar no servidor público.

Então, pelo simples fato de você exercer uma atividade laboral, você já é segurado da Previdência Social. O que quer dizer? Tanto na área privada quanto na área pública, que, se você morrer e ainda não fez a primeira contribuição de Previdência Social, os seus dependentes têm direito a pensão por morte. Veja, e você não contribuiu nenhuma vez, ainda.

É possível? É possível. Está lá no regime geral da Previdência Social. Faz-se o cálculo como se fosse aposentadoria por saúde, e os dependentes não podem ficar à míngua. Eles vão ter de receber a pensão por morte. Eu estou fazendo, já, esta referência, porque vou ver, afinal, a questão do direito adquirido. Então no primeiro dia você já é segurado da Previdência Social, não importa o número de contribuições que você tenha feito: se você morrer, se você tiver um acidente do trabalho, se você for acometido de uma enfermidade grave que não lhe permita trabalhar, você tem direito à aposentadoria; e você ainda não completou os anos de contribuição. Por quê? Porque a previdência é substitutiva do salário; e, se você não pode receber o salário, tem de receber a aposentadoria. E, se acaso você morreu em um acidente do trabalho, os seus dependentes menores, que dependem de você, têm de receber a pensão mensal por morte.

Essa é a filosofia da Previdência Social. Fora disso, são interpretações errôneas, capciosas, inconstitucionais, dos órgãos de Previdência Social. Dos órgãos de Previdência Social. Quando você entra em uma agência de Previdência Social, por uma necessidade qualquer, até para pedir informação, você tem impressão de que você é uma inimiga. Porque recebem você de uma maneira, naqueles guichês; recebem as pessoas de uma tal maneira – esquecem que um princípio que fundamenta o Estado brasileiro é o fundamento da dignidade da pessoa humana. Tem que ser atendida com toda a atenção. Ainda que seja uma pessoa ignorante, que incomode, que pergunte muito, que não entenda. Que pergunte outra vez. E aí entra o servidor público, que somos nós. Esse é o público que nós temos de servir. Mas este é apenas um parêntese.

Então, a natureza, o regime jurídico da Previdência Social é um contrato de seguro social, que o trabalhador faz com a União, Estado, Município, e cujas cláusulas securitárias estão insertas na Constituição. As cláusulas desse seguro social estão na Constituição, a partir do artigo 194, depois artigo 201. As cláusulas estão todas lá. Qualquer lei infra-constitucional que não atenda ao que está escrito na Constituição, e ao espírito da Previdência Social, será inconstitucional. E nós encontramos tranqüilamente leis infra-constitucionais que infringem o espírito constitucional. Quando Procuradora do Estado, me deparei com uma lei estadual, de uma determinada classe de funcionários, não está mais em vigor, que dizia mais ou menos o seguinte: “Morto o trabalhador”, de uma classe de trabalhadores, do pessoal de obras, que não existe mais. Agora tem os contratados, os extranumerários; o Estado está sempre criando essas filas, não é? Da Lei nº 500, por exemplo. É uma coisa triste, mas deixe para lá. É assunto de Direito Administrativo. Pois bem, essa lei tinha um dispositivo que dizia mais ou menos assim: “Morto o segurado, poderão habilitar-se à pensão a mãe e a esposa, se honesta.” Acreditem se quiser. Como é que pode uma lei estabelecer uma coisa dessas? Basta provar que é esposa. Se é honesta ou não, é problema do “de cujus”, e ele já morreu. Eu não tenho nada a ver com isso. Então, basta provar que é esposa. Apenas para comprovar aos senhores como o legislador ordinário vai fazer coisas incríveis, descumprindo a Constituição e o espírito daquele instituto em que ele está legislando.

Natureza de seguro social, de instrumento necessário à paz social, pelo qual se enfrentam os problemas, não apenas da idade avançada, da doença e do infortúnio ou do acidente do trabalho, mas ainda a questão dramática do desemprego. Hoje, nós temos seguro-desemprego. E das carências de habitação. Por exemplo: com a morte do Ipesp, morreu a carteira predial para os servidores que não podiam comprar a casa própria. As nossas maravilhosas

carteiras prediais, pelas quais você comprava o imóvel – o Ipesp pagava o imóvel à vista, e você pagava em longos quinze, vinte anos. Eu tenho dois imóveis – ambos comprados através do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Pai e mãe. Pai e mãe. Acabou. Vai acabar. Por quê?

Eu tive um aluno de Previdência Social, que uma vez discutiu, debateu que habitação não é previdência social. Senhores, habitação é previdência social, porque está dentro do princípio da segurança. A segurança de que, depois de um dia de trabalho, você tem um lar onde se agasalhar. É um direito social, está no artigo 6º. E quem vai suprir este direito social da habitação? O Estado, para aqueles que não têm dinheiro para comprar um imóvel. Ou não podem, ou não têm um crédito bancário, porque o seu salário é muito baixo, ou porque o plano do banco é muito caro – e os senhores sabem disso. Juros extorsivos, muitas vezes. Então habitação também está dentro do princípio da segurança e da função do Estado de nos dar segurança; a segurança de voltar para casa. É fundamental para a cabeça do ser humano. Mas aí vocês me perguntam: as pessoas que moram na rua, o que sente essa cabecinha quando chega o fim do dia e não têm para onde ir? Os senhores imaginaram o “parafuso”? O dia morre, surge a noite, não têm uma toca onde se abrigar. E os senhores sabem que toca é fundamental para qualquer animal. Todos se abrigam, quando chega a noite. Você não vê um passarinho no céu. Porque a toca é importante.

A Previdência Social vem de uma doutrina maravilhosa, que não dá nem tempo de comentar; mas vou comentar apenas os quatro princípios, as quatro liberdades do Presidente Franklin Roosevelt. Das quatro liberdades que este Presidente colocou na doutrina do New Deal, ou do Novo Contrato. Porque ele precisava impor as leis de Previdência Social, mas o sistema norte-americano não admitia a intervenção do Estado na ordem econômica e social. Então o Presidente Roosevelt conseguiu a aposentadoria de alguns juízes da Suprema Corte; colocou os juízes que ele sabia que eram favoráveis às suas idéias maravilhosas; e estabeleceu o New Deal. E, dentro desse New Deal, ele estabeleceu quatro princípios ou quatro liberdades fundamentais para o ser humano. A liberdade de expressão de pensamento; a liberdade de crença; a liberdade de viver sem medo; e a liberdade de viver sem necessidades. Que é suprida pela Previdência Social, pela substituição do salário. Eu gostaria que os senhores prestassem atenção. A aposentadoria é substitutiva do salário.

A aposentadoria paga pelo INSS substituiu salário? Então já peca pela base. E nem o Congresso Nacional toma conhecimento disso, pela absoluta ignorância do que é Previdência Social. E eu, que estive 33 anos na Procuradoria do Ipesp, muitas vezes, não sempre, assisti administrarem o Ipesp pessoas que não tinham a menor noção do que é Previdência Social. Apesar de que, no Estatuto do Ipesp, exigia-se que o Superintendente tivesse conhecimentos seguros na área da Previdência Social. Tudo cargo político. Nomeação política por influência política. Desde que tenha capacidade, tudo bem.

Então vamos lá. Eu estou consultando trabalhos meus. Daí, que qualquer reforma da Constituição, que efetivamente seja necessária para interesse público, em especial a reforma previdenciária, deveria objetivar a melhoria da proteção do trabalhador. Qual foi o grande jurídico motivo das três Emendas previdenciais? Qual foi o motivo técnico-jurídico? Falta de dinheiro nos cofres públicos. Problema de caixa. Os senhores se lembram: todos os jornais estamparam. “Previdência não tem caixa, então vamos reformar a Previdência, criando mais entraves à aposentadoria e às pensões dos trabalhadores.” E foi o que fizeram as três Emendas previdenciárias, que não atenderam a um pressuposto fundamental: serem submetidas a plebiscito ou a referendo.

Se os senhores repararem, as mais de cinqüenta Emendas que a Constituição já sofreu até agora, nenhuma delas foi submetida a consulta popular. O que quer dizer? Elas são legais, porque atenderam aos pressupostos de como se faz uma Emenda Constitucional, mas não são legítimas, porque não passaram pelo crivo do povo. E, lá na Constituição diz que todo o poder pertence ao povo. Mas o povo está de boca fechada, porque não foi consultado. Nenhuma das Emendas Constitucionais é legítima; são legais. Talvez constitucionais, se realmente não conflitarem com a Constituição, mas nenhuma delas é legítima, porque não foram objeto de consulta popular. Plebiscito ou referendo, artigo 14 da Constituição. A partir daí, qual é o problema, afinal, da Previdência Social? Se eu estou falando coisas tão bonitas: “A Previdência se destina a proteger o trabalhador, substituindo o seu salário, portanto, uma aposentadoria condizente, e, assim, por tabela, a pensão por morte aos seus dependentes; o sistema está tão bem colocado, a sua fundamentação é tão grande.”

Na Revolução Francesa, que já discutia a Previdência Social, diziam os franceses, em 1789, que a Previdência era uma dívida sagrada da sociedade para com o trabalhador. É uma dívida sagrada da sociedade para com o trabalhador. Por quê? Porque somente o trabalhador é que mantém a sociedade viva. Nós que trabalhamos, contribuímos, consumimos, é que mantemos a sociedade viva. Porque, em uma ponta, em um pólo, você tem os idosos não produtivos, as crianças – nada contra eles, mas não são economicamente produtivos; têm de ser protegidos. E na outra ponta, vocês têm a classe política, igualmente improdutiva, do ponto de vista econômico. Em outros pontos de vista também, mas vamos ficar no ponto de vista econômico. Não produzem nada. O que produz a

 

 classe política? Nada. Okay?

Então nós, que estamos no meio da sociedade, sustentamos a sociedade e esses dois pólos de segmentos improdutivos da sociedade. Portanto, esse segmento dos trabalhadores é o mais importante segmento de uma sociedade. Não é o parlamentar, não é o Presidente da República, não. São os trabalhadores. Eles são o mais importante segmento social: os trabalhadores, porque mantém a sociedade viva, através do seu trabalho e através do consumo que eles, inclusive, estimulam a se produzir. Então, o que está acontecendo, afinal, com a Previdência, no nível federal ou no nível estadual? Alguma coisa certamente já foi ouvida aqui, pelos que me antecederam.

Agora, nós ouvimos coisas incríveis. Por exemplo, a primeira questão que eu anotei: a Lei nº 9.717/98, estabelecendo que a União, o Ministério da Previdência Social determinará a alíquota para o Certificado de Regularidade Previdenciária. É uma intromissão indevida, inconstitucional, na vida do Estado e do Município, porque o artigo 1º da Constituição reza que o Brasil é uma república federativa. E o que quer dizer “federação”? Quer dizer que os seres federados, União, Estados, Municípios – Distrito Federal eu não considero entidade federativa, mas está na Constituição; Distrito Federal foi um lobby para ter um belo cabide de empregos, governador, câmara legislativa, em 88. Mas aquelas entidades realmente significativas são: a União dos Estados, os Estados, e os Municípios. E diz a Constituição: todos autônomos. Está no artigo 18 da Constituição. Como a União vai se meter na Previdência Social do Estado ou do Município? O que ela tem que dizer, estabelecendo teto, estabelecendo alíquota, estabelecendo certificado? Senhores, isto é absolutamente inconstitucional. Impressionante. Eu fico pasma.

Eu vou explicar aos senhores: eu estou um pouco retirada da Previdência Social – parei de ser Procuradora do Estado, do Ipesp, e parei de lecionar Previdência Social. Quando eu leciono, agora, é o Regime Geral; eu já não conheço muito bem o regime de São Paulo. Não conheço porque não estou mais acompanhando. Daí eu fico surpresa com essa Lei nº 9.717 metendo o bedelho na vida do Estado de São Paulo. Desde quando? E ninguém se mexe. Argüição de inconstitucionalidade.

A questão do direito adquirido, vamos passar brevemente.

Quando você começa a trabalhar, você já é considerado segurado da Previdência Social, como eu já expliquei anteriormente. Estabelece-se um contrato social entre você e o Estado. Esse contrato tem um tempo certo. Ou tem motivos de aposentadoria, como eu já disse aqui: idade avançada, enfermidade grave, infortúnio ou acidente do trabalho. Tem que haver um tempo certo de contribuição, porque é um contrato de seguro, como seguro do carro, como seguro da casa. Você tem que contribuir com um certo número de mensalidades para que, ocorrendo sinistro ou risco ou aqueles três motivos, você venha a receber o prêmio do seguro. Mas é social. Eu disse “contrato de seguro social”, e não privado; ou seja, se você não cumpriu os anos de contribuição e venha a ocorrer o sinistro, você ou os seus dependentes já recebem o seu benefício previdenciário. Portanto, não é uma expectativa de direito; é um direito adquirido. E se, ao ingressar no trabalho, nesse contrato de seguro social, você já conhecia as cláusulas que regem o contrato, como é que, unilateralmente, o Estado vai modificar as cláusulas contratuais? Nenhum juiz vai admitir que uma das partes, unilateralmente, modifique as cláusulas contratuais. Seriam as Emendas, viriam, para os segurados a partir da Emenda. Mas como a finalidade das Emendas foi problema de caixa, os donos do poder não podiam esperar, então já fizeram incidir as novas normas de Previdência Social, aumentaram a contribuição. Não que a contribuição não possa ser aumentada, porque a contribuição é um problema atuarial. Matemática atuarial. Portanto, é um problema de números. Se os administradores da Previdência verificam, a certa altura, que, com aquele valor de contribuição, diante da massa contributiva, a massa beneficiada, não vai poder pagar os benefícios, tem de aumentar as contribuições. Vejam bem, eu não estou dizendo que as contribuições sejam intocadas; que o problema é de número. Não é um problema apenas jurídico. É um problema de número. Também o quadro de dependentes pode ser alterado. Vejam: vocês viram pela palestra anterior que o SPPrev vai unir o sistema previdenciário civil e o sistema previdenciário militar. Vejam que coisa absurda. O sistema previdenciário militar ainda mantém a filha solteira como beneficiária.

Queridas – isto é dirigido às mulheres. A mulher ser beneficiária do pai por causa de celibato, é como se você estivesse doente. Celibato não é doença. Eu sou solteira até hoje e não morri. Estou aqui, ótima. Não morri do celibato. Portanto, celibato não pode ser motivo de percepção de pensão mensal. É uma diminuição para a mulher. Que a mulher, hoje, trabalha, tem economia própria, que coisa maravilhosa. A questão do celibato e da dependência das filhas solteiras, isso foi até os anos 40, mais ou menos, porque, efetivamente, o sistema social brasileiro e o tempo da colônia, ainda mais quando você estuda a situação da mulher no Brasil – a mulher saía de casa três vezes: para batizar, para casar e para enterrar. Fora disso, morreu, dentro de casa. Não podia trabalhar. É claro que ficava na dependência do seu pai e, com o casamento,

passava para a dependência do seu marido. Nada contra, nem ao pai, nem ao marido; mas ela ainda não tinha economia própria. E evidente que a lei tinha de protegê-la. Claro. Morria o pai, morria o marido, essa coitadinha, o que ia fazer? Não tinha trabalho. Não sabia sair de casa para trabalhar – então a lei vinha proteger a mulher. Mas, de anos para cá, como eu vou manter pendurada no quadro da Previdência Social a filha solteira? O Ipesp tinha filha viúva. A moça casou, cuidou da própria vida, enviuvou, ficou outra vez na dependência do pai. O que é isso? Essa mulher não existe. Tem que trabalhar. O quadro de dependentes – eu estou me adiantando –, já é outro problema da Previdência Social. É o quadro de dependentes do associado que faleceu. Na Inglaterra, que é um sistema maravilhoso de Previdência Social – na Europa em geral –, a esposa somente será beneficiária da pensão mensal por morte, o marido morreu, em dois casos: se ela tiver mais de 65 anos ou se ela for incapaz. Fora disso: trabalhe, querida. Qual é o problema? É o que nós queremos: é trabalhar, ter econômica própria, que coisa maravilhosa. Sem desdouro nenhum. E hoje? Qual é a esposa que não deve trabalhar para ajudar a economia doméstica? A vida está tão difícil. A escola está tão cara. Precisa ser uma companheira do marido. Claro que sim. Não no sentido de feminismo. Odeio feminismo. No sentido de feminilidade. A mulher tem que ser feminina, mas ajudar o marido. Casamento é isso: é companheirismo, ombro a ombro. Não casei, mas tenho idéia de que deve ser isto.

Então, já tem o problema do pacto federativo. Essa lei já é inconstitucional. Tem o problema do direito adquirido, que ele adquiriu no primeiro dia que começou a trabalhar. Então, não pode haver alteração do contrato, unilateralmente. Infelizmente, o nosso Supremo Tribunal Federal já falou a respeito disso, mas eu continuo escrevendo e falando contra. O nosso Supremo é um Tribunal excepcional, é de uma capacidade extraordinária, tem uns juristas maravilhosos lá dentro, mas às vezes erra, não? Até por falta, eu vou me atrever a dizer, de conhecimento do que é Previdência Social. Sabem por quê? Porque as faculdades de Direito, nem todas têm esta matéria no currículo. Vocês sabiam disso? A PUC é uma exceção; a PUC tem, há muitos anos, Direito Previdenciário. A USP não tem. A USP, onde eu me formei, tinha Direito Social, que era Direito do Trabalho com um pouquinho de Acidente do Trabalho. Foi isso que eu aprendi lá. Até lecionar Direito Previdenciário na PUC, que aí eu tive de estudar Previdência Social, para poder ensinar.

Então, primeiro, os juízes desconhecem a filosofia, o espírito da Previdência Social. Então, a partir daí, nós temos decisões assim, desencontradas. E essa foi uma. A questão “não tem direito adquirido contra a Constituição.” Ora, é uma Emenda Constitucional. A Emenda tem a natureza de Constituição, mas a Emenda não é Constituição, por definição. É uma Emenda. Dá para perceber o que eu quero dizer. Ela tem natureza, mas ela pode ser inconstitucional. Logo, cumpria ao Tribunal estudar do ponto de vista da inconstitucionalidade.

Outra questão que surgiu aqui foi o das contribuições previdenciárias. Ai, meus queridos, me dá vontade de chorar. É um assunto que me dá vontade de chorar. Eu sinto muito dos que falaram anteriormente a mim, mas eu trabalhei 33 anos na Previdência Social, e lecionei 10 anos Previdência Social. Quer dizer, fui fundo, fui verificar até por que existe. Essa proteção existe, diz Rober Castel – tem uma obra excelente, “As Metamorfoses da Questão Social” –, ele diz que existe a Previdência Social, que inventamos a Previdência porque o trabalhador não tem propriedade com a qual se manter. Ele não tem propriedade nenhuma. O que ele tem é a força de trabalho, de maneira que, quando falta essa força de trabalho, para compensar que ele não tem propriedade, então vem a proteção. É previdenciária. Porque, se ele fica doente, ele não tem uma propriedade da qual se manter ou alugar ou coisa semelhante. Vejam a filosofia extraordinária da Previdência Social.

Do ponto de vista das contribuições previdenciárias, da minha experiência do Ipesp, e da minha experiência da Previdência do regime geral, que é a União Federal, ficou a seguinte constatação: o Estado arrecada a contribuição do trabalhador, seja no regime geral, seja nos regimes privados, nos regimes estaduais ou municipais. O Estado paga, descontando a contribuição previdenciária. De acordo, você já recebe descontado; não dá tempo nem de chiar. Ganha descontado. O que ele faz? Ele manda para a instituição previdenciária? Ele manda para o INSS? Ele manda para o Ipesp, que já morreu? Ele manda para o Iprem? Não. Essas contribuições ficam na Fazenda Pública. E ele manda para as instituições previdenciárias aquilo que elas vão gastar naquele mês. Quanto vão pagar de aposentadoria? X. Quanto vão pagar de pensões? Y. Quanto tem de despesas do seu funcionalismo? Z. Então a Fazenda Pública manda para a instituição previdenciária aquilo que a instituição vai gastar no mês. O resto das contribuições fica na Fazenda Pública. E onde isso é empregado? Já foi dito aqui, pelo Doutor Flory; e tem um belíssimo artigo de Sandra Cavalcanti dizendo o que aconteceu com a Previdência Federal. A Previdência Federal começou a usar dinheiro dos trabalhadores para construir Brasília. Ou vocês acham que o Presidente Kubitschek tinha dinheiro do Tesouro Nacional para construir uma capital só para ele? Ele foi pegar o dinheiro da Previdência Social. Estava ali; na mão. E empréstimos do exterior. Foi assim que foi construída Brasília. Então, lá em Brasília está enterrado muito dinheiro dos trabalhadores brasileiros. Vejam, Juscelino Kubitschek, grande estadista brasileiro, hein? Cada coisa no seu lugar. De acordo? Mas Eugênio Gudin, que foi um imenso professor de Economia aqui no Brasil, dizia o seguinte, de Juscelino: “Um playboy que queria uma capital só para ele, e construiu.” Uma opinião um pouco ácida do Eugênio Gudin, um grande economista brasileiro. Então está aqui no jornal, no Estado de São Paulo, de 5 de março de 2003. Não é Maria que está inventando: “Alguns especialistas calculam que a sangria nos fundos de pensão para construir Brasília tenha chegado a pelo menos três bilhões de dólares.” À época. Está lá o dinheiro da Previdência Social. O Ipesp, a Secretaria da Fazenda, faziam o seguinte: a mesma coisa. Os órgãos públicos pagam os seus funcionários e retêm a contribuição previdenciária, que era de 6% e 7% no primeiro ano de serviço público. O que ela mandava para o Ipesp? O que o Ipesp tinha emprestado de carteira predial, da carteira do lazer, da carteira odontológica – que conseguimos criar no Ipesp; o atuário do Ipesp e eu fomos a Santa Catarina, que esteve aqui o representante de Santa Catarina, e descobrimos que o Ipesp tinha uma carteira odontológica. Queridos: dente, mastigação, é assunto de saúde pública. E o povo brasileiro é um povo desdentado. As pessoas perdem os dentes muito cedo, porque o tratamento dentário é muito caro, e o nosso sistema prefere arrancar o dente do que tratar, porque o tratamento é caro. Então o coitadinho está com dor de dente; ele vai lá, ao invés de pagar o tratamento dentário, que é caro, ele paga a extração do dente. Pronto, lá foi embora o dente; nunca mais vai ter outro dente. Acabou. Não é isso que acontece no Brasil? Estou falando “in genere”, uma coisa geral. Então, no Ipesp nós instituímos a carteira odontológica, pela qual o servidor ia ao dentista credenciado pelo Ipesp, fazia o orçamento, o Ipesp pagava, parcelado mas à vista, e depois ele pagava o Ipesp em longas prestações mensais. Assunto de saúde pública. Tiraram isso do servidor estadual. E lazer? As férias são importantes para a saúde? Os médicos dizem que sim. O Governo diz que não. Porque nós tínhamos a carteira do lazer, pela qual, juntando uma certidão de tanto a tanto você tinha direito a férias, o Ipesp lhe emprestava uma importância de um cálculo, para você poder sair, desligar, descansar de verdade. Acabou. Com a morte do Ipesp, acabou. O Iprem, acho que não tem. O Iprem, acho que não tem carteira habitacional, carteira odontológica, carteira do lazer. Que coisa maravilhosa. Isso é proteção do trabalhador. Isso morreu com a morte do Ipesp. Ou seja, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo fica com as contribuições e manda para o Ipesp apenas o que ele vai gastar. O resto, ninguém sabe, ninguém viu. Mesmo porque não há transparência. Nenhum órgão tem acesso às contas da Fazenda do Estado de São Paulo. Nem deputado, nem cidadão. O ICMS, você não sabe quanto rendeu. Você não sabe. Porque se basear no cálculo da arrecadação do ICMS, é a Fazenda que diz, e você tem de aceitar.

Então, queridos, está escrito no jornal: Sandra Cavalcanti. Estadão de 5 de março de 2003. Gastamos para fazer Brasília aproximadamente três bilhões de dólares, que vieram parte da Previdência dos trabalhadores e parte de empréstimos feitos no exterior, que estamos pagando até hoje. Pagando empréstimo não, estamos pagando juros. Esta é a conversa da Previdência Social. É por isso que, de vez em quando, aparece o déficit da Previdência – não acreditem. O déficit só existe se for déficit técnico, que vem do próprio sistema. Porque dinheiro há. Só que o dinheiro, o Governo gasta com folha de pagamento, com Brasília, com a Rodovia Norte-Sul, com pagamento de juros pelas letras que vende, pelos títulos. Enfim, o dinheiro do trabalhador é usado em “n” possibilidades. Vejam bem: coisas públicas. Eu não estou dizendo que ninguém está desviando verba, mas o dinheiro do trabalhador está sendo usado indevidamente, porque o sistema da Previdência é contributivo, tem de voltar para o trabalhador em benefícios para o trabalhador. Não apenas em aposentadoria e pensão, mas um quadro de benefícios, como eu disse. Habitação. Carteira odontológica. Carteira do lazer. Que ele vai pagar; não está sendo dado de graça, ele vai pagar. Só que ele vai pagar em suaves prestações, de acordo com o seu salário.

Então, é isso que acontece com o problema das contribuições previdenciárias. Vocês não me perguntaram, mas poderiam perguntar: “Vai continuar?” Vai. Vai. Sabem por quê?

Empatado o regime geral da Previdência no Brasil, em 1977, quando os institutos de previdência foram unificados – alguns  de vocês lembram disso. Havia seis institutos de previdência; foram unificados em um só, que se transformou nesse monstro que se chama INSS, que, para administrar isso, é um horror. E, na área do Estado de São Paulo, a Lei nº 4.832/58, que acabou de morrer, os trabalhadores e os servidores contribuíam. Mas o Estado nunca contribuiu. A dívida da União com a Previdência Social é de bilhões. Ela foi consolidada, em 1977, mas nunca – grifem –, nunca foi paga. A dívida do Governo do Estado de São Paulo com o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, que acaba de morrer, nunca – sublinhem –, nunca foi paga. Então estava faltando a contribuição de uma parte. Como vão dizer que tem déficit?

E o Doutor Flory acabou de dizer que, nesse acerto da SPPrev, aqueles imóveis que o Ipesp construiu – fóruns, cadeias; que não era da competência do Ipesp, construir fórum nem cadeia. É do dever do Estado de São Paulo. Mas quem faz o Estado com o dinheiro do Ipesp, constrói fóruns e cadeias, que nunca pagou ao Ipesp. Outro motivo de déficit. Dívidas não pagas. Agora vão fazer um acerto. Sabem o que vai acontecer? Me cobrem. Me cobrem, de futuro. “Ah, Maria, você falou mal aquele dia, no Tribunal de Contas do Município. Você se enganou, Maria. Olhe aí. Estão pagando as dívidas.” Me cobrem, por favor. Vai dar em nada. Vai fazer feito um levantamento, dizer quanto deve, mas essa dívida não vai ser paga para o fundo dos servidores e militares do Estado de São Paulo. Porque é quase impossível pagar. Dívida antiga. O Estado tem muitos encargos. Vejam bem: tem saúde, tem educação, transporte, habitação. Não é brincadeira, para pagar uma dívida. Aliás, ninguém pode cobrar. O Ipesp nunca pôde cobrar do Estado. Porque ele não podia; ele era órgão do Estado. Como uma autarquia vai cobrar do Estado? Não podia cobrar. Então isso é fundo perdido. Outro motivo de déficit que não houve.

Quando os senhores lerem “déficit previdenciário”, podem dar risada. Isso não existe. Porque o dinheiro nunca foi para o INSS. Logo, não é déficit técnico. O dinheiro não entrou. Como é déficit do INSS? O dinheiro ficou nas burras da União Federal. E, também, as notícias sobre o INSS, vejam, são contraditórias. Vejam, isso é de 30 de setembro. Recorte do Estadão. O que a turma tem que ter medo de mim é que eu tenho um dossiê danado: eu recorto, eu guardo. Eu guardo. Essa aqui diz: “Alívio temporário nas contas do INSS.” Estadão, 30 de setembro de 2007. Aqui, o que fazem? É feito um levantamento, diz que o déficit diminuiu um pouquinho, e que – aí fazem uma carga, adivinhem contra quem? Contra os idosos. Vêm dizer assim, quer ver? Um professor da FEA. Não vou dizer o nome, porque senão ele me mata amanhã. “Uma grande ameaça às finanças do INSS é o envelhecimento populacional, que solapa o regime de repartição, no qual as contribuições dos jovens custeiam os benefícios pagos aos mais velhos. Vamos passar de um país jovem para um país com crescimento populacional zero, que terá que sustentar uma população crescente de idosos, por intermédio de uma população adulta cada vez menor. Mas vejam, uma grande ameaça é o envelhecimento populacional, quer dizer, você ficar velho é uma ameaça, você contribuiu a vida inteira com imposto de renda, imposto disso, imposto daquilo, você paga imposto e com a contribuição á Previdência agora, você é uma ameaça. Não fique velho, morra. Não tem que ficar velho. Me perdoem. Parece até uma brincadeira, porque o assunto é tão sério e tão árido que nós precisamos temperar um bocadinho, mas é, realmente, de rir a compreensão dessas pessoas. Isso que diz que nós vamos passar para um crescimento populacional zero? Esse professor tem de ir na periferia. Na rua só tem criança e cachorro, e eu adoro criança e cachorro, mas, queridos, é o que você mais vê na periferia. Então, como é que vamos para um crescimento populacional zero?

O grande problema previdenciário do Brasil são as famílias pobres numerosas, que são um grande encargo social. Nos hospitais públicos, nas escolas. Como dar saúde e educação gratuita, nascendo tantas pessoas, estou chamando de pessoas, que estão nascendo no Brasil? Não há o menor controle, o menor estímulo ao não aumento demográfico. E, eu vejo poucas pessoas escrevendo sobre isso. O único que eu vejo escrevendo sobre isso é aquele médico que escreve na Folha, casado com uma atriz muito linda, o Drauzio Varella. O Drauzio Varella já escreveu vários artigos chamando a atenção das autoridades para o crescimento demográfico descontrolado no Brasil. Eu não sou favorável ao aborto, longe de mim, é antes que tem que prevenir, através de uma educação sexual, através de propiciar, às senhoras, que já tem dois ou três filhos, que façam uma operação. O INSS tem uma idade empregada, que nós conversamos muito sobre isso, o INSS estabeleceu uma idade que, até lá, nós temos dez filhos. Aí não adianta fazer uma operação. Precisa diminuir a idade dessas senhoras que não querem ter mais filhos, ou que não querem ter filhos, é um direito, acabou, você não quer ter. Não é abortar, é não ter. Elas não podem pagar um médico, esse é um outro problema da previdência social. Então, vem dizer de aumento populacional zero? Essa pessoa não anda na periferia. Vai andar na periferia para ver como a situação está.

E, também, a contribuição dos inativos, vejam os senhores, como é possível? Você fez um seguro de contrato social com o Estado, União ou Município. Pagou as suas contribuições, recebeu o seu prêmio, aposentadoria e agora tem de pagar de novo? Para quê? É até uma questão lógica. Se você já está aposentado você está pagando para quê? Alguém me explica? Eu estou pagando de novo, muita gente aqui, talvez… Não, vocês são servidores na ativa. Eu estou pagando de novo. Já paguei, já recebi e estou pagando outra vez, 11% ao mês sobre a minha aposentadoria. Quer dizer, até peca contra a lógica, e o Supremo Tribunal aceita uma coisa dessa.

Tem um artigo belíssimo aqui, do Paulo Nogueira Batista, que é um economista brasileiro de prol, ele está na ONU agora, e, ele diz: “Contribuição Previdenciária de inativos?”. O servidor ativo faz contribuições para custear a sua aposentadoria e eventuais pensões. Como propor, então, que volte a pagar depois de inativo? Pois bem. Fizeram a Emenda, nós estamos pagando, e ninguém se manifestou.

Outra questão, então, é a questão da própria pensão por morte. Também tem de modificar. Vejam o que eu disse a respeito do regime europeu, onde o quadro de beneficiários é muito severo – não é possível tanta gente pendurada na Previdência Social. É ou aposentado e seus dependentes efetivos. Estava conversando com a Professora Magadar: não as pessoas que já recebem. Há pessoas que recebem uma aposentadoria porque se aposentou, a pensão do marido e a pensão do filho. O que é isso? Isso não é espírito da Previdência Social. A Previdência Social não está aí para fazer uma pessoa milionária. Imagine você receber três benefícios? Eu recebo dois, porque eu contribuí para dois. Eu recebo do Ipesp, como Procuradora, e recebo da Carteira dos Advogados, porque eu paguei. Eu paguei o plano de seguro. Paguei. Estou recebendo. E, querida, eu não conheço nenhuma pensão da carteira – até pode ter, posso me enganar – que equivalha a dez salários mínimos. Eu contribuí por longo tempo. É mil e quatrocentos reais. Mil e quatrocentos e poucos reais. Mas, se tiver, me comprove isto.

Então o que vai acontecer? Uma das emendas deu uma nova redação ao artigo 40 da Constituição, que, na redação original – essa é a primeira Constituição de 88 que eu comprei; não joguei fora, porque é uma preciosidade. Ela está amarela, de tanto consultar em aula. Mas não pode jogar fora, porque é a redação original, cheia de anotações minhas. Então, o artigo 40 dizia o seguinte, parágrafo quinto: “O benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido até o limite estabelecido em lei.” Os senhores ouviram bem? Agora ele diz o seguinte, parágrafo sétimo do artigo 40: “Lei disporá sobre a concessão do benefício de pensão por morte, que será igual ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido pelo regime geral da Previdência”, que é exatamente o que o SPPrev vai adotar. Que é inconstitucional. Nós temos de estabelecer os limites.

Então como é a Lei nº 4.832/58, o que ela dizia? Dizia: “A pensão por morte será de 75% sobre o vencimento ou os proventos do servidor falecido.” Por que 75%? Porque, de acordo com a matemática atuarial, supõe-se que o servidor vivo gaste consigo 25% do seu salário ou da sua aposentadoria, e destine à sua família 75%. Isso é cálculo atuarial. Matemática. Aí vem a Emenda de quem não conhece Previdência Social, e faz com que a pensão por morte seja igual. Vejam, tirou a palavra “corresponde”. “Corresponde” queria dizer “a totalidade era a base do cálculo de 75%.” Então agora é igual. Quer dizer, desconhece totalmente a matemática atuarial. Ou, em palavras vulgares, o morto vale mais morto do que vivo – porque, quando vivo, ele gastava com ele alguma coisa, ou não? Cigarro, roupa, calçado. O seu marido gasta alguma coisa com ele, do salário dele; e o resto ele destina à família. Agora não; a pensão por morte é igual ao vencimento ou provento do servidor falecido. Quer dizer: ele vale mais morto do que vivo, porque vivo ele gastava alguma coisa com ele. Morto, é a totalidade que vai para a viúva. Viúva que pode, por sua vez, ter um salário até superior, pode, por sua vez, já ter uma aposentadoria, porque ela se aposentou. Ou seja, é uma loteria esportiva que ela está recebendo. Porque vocês viram que, no sistema europeu, a esposa do trabalhador falecido somente receberá pensão por morte se for maior de 65 anos ou inválida. Fora disso, não tem benefício da Previdência Social. Porque Previdência Social não é herança. Se você quer deixar a sua esposa bem, o seu marido bem, a sua família bem, você faça uma economia. Faça uma economia, trabalhe duro, deixe uma bela herança. Mas Previdência não é herança. As pessoas pensam que Previdência é herança: “Ah, quando eu morrer, eu quero deixar uma pensão ótima para a minha família.” Previdência é economia de grupo. Somente o grupo que contribui pode formar benefícios para um grupo que recebe – que se cada um for pensar apenas enquanto a sua esposa, a sua família for receber, isso não é Previdência Social. Isso é herança. E Previdência, por definição, não é herança. Especificamente, o regime dos servidores públicos, como fica? Então nós vimos aqui um filme próximo do regime dos servidores públicos. Agora, vamos ver. O servidor público, o que ele é? É um trabalhador, em primeiro lugar. Ou seja, ele faz parte daquele segmento social que sustenta a sociedade toda vida. Nós, trabalhadores, sustentamos a sociedade com os nossos impostos, com as nossas contribuições. Nós apenas recebemos o nome de servidores públicos; mas nós somos, em primeiro lugar, trabalhadores. E, sem nós, batendo carimbo, carregando processo, dando pareceres, preparando despachos ou coisa que o valha, sem nós, o Estado não pode cumprir as suas finalidades. É o servidor o braço físico do Estado: Estado é um ser abstrato, é uma criação do espírito humano.

O que existem são servidores públicos, em toda a sua acepção – desde o Presidente da República até o contínuo, somos todos servidores do público. E isso precisa entrar na cabeça de muita gente. E o que é, então, esse servidor público? Ele vem sendo, por exemplo, achacado, ou coisa que o valha, com a idéia de que nós somos ameaça ao país, porque nós recebemos aposentadorias integrais. A grande pecha que se faz ao servidor público é que nós recebemos aposentadoria integral. Ou seja, quando nós trabalhamos todo aquele tempo para o público, na pessoa do Estado, que é o nosso patrão, e contribuímos e recebemos o nosso benefício, nós recebemos um prêmio. Um prêmio. Quem cumpriu o tempo todo. Eu, por exemplo, me aposentei por tempo. 33 anos de serviço público. Agora, quando você se aposenta no regime geral, você não recebe prêmio; você recebe uma pena, uma penalidade, porque você vai ter de viver com menos do que você ganhava na ativa. Esse é o regime geral que estão querendo impingir a uma boa parte dos servidores públicos brasileiros, por causa dessas distinções que se faz entre efetivos, extranumerários, contratados, terceirizados, enfim. No fim, você está cumprindo serviço público, mas você é discriminado, porque um grande mal brasileiro é não haver concurso público. Isto que aconteceu aqui, de fazer um processo seletivo – nós sabemos que processo seletivo não é uma coisa boa. Tem de fazer concurso, com regra igual para todo mundo. Processo seletivo se processa dentro das repartições, e pode levar a protecionismo; nós sabemos disso. Mas, enfim, pelo menos existe um processo seletivo.

Então somos todos servidores públicos. Portanto, o bom seria que o trabalhador brasileiro tivesse o mesmo regime nosso; que, ao se aposentar, recebesse o salário integral, e não nos ameaçarem, nos ridicularizarem com o que nós recebemos, a aposentadoria integral. O ideal seria que o trabalhador recebesse também o seu salário integral. Evidente, com um teto – para um executivo. Um executivo de uma empresa. Não vá comparar o executivo com o trabalhador comum. A lei veria isso. Por quê? O que é, afinal de contas, a administração pública? Administração pública quer dizer “aqui, o Estado em ação”, “o Estado agindo”, “o Estado prestando serviços aos seus cidadãos e às pessoas que vivam dentro do Brasil.” Eu costumo citar um autor que não é muito conhecido aqui no nosso Direito Brasileiro, mas ele tem uma frase muito importante, que diz: “A nossa liberdade depende muito mais da administração pública do que da própria Constituição.” E isso é fácil de entender, porque a Constituição garante o direito à liberdade, mas é a administração que possibilita o exercício do direito à liberdade – prestando serviços, atendendo ao cidadão, dando explicações, contas transparentes. E aí entra também o papel atual dos Tribunais de Contas, que nós ainda não reconhecemos, que os Tribunais de Contas mudaram no Brasil, depois de 88, quando a Constituição atribui ao Tribunal de Contas julgar. É um ato de decisão. Esse julgamento chega na Assembléia, a Assembléia não pode engavetar; ela tem de seguir o

julgamento do Tribunal de Contas. Mas nós ainda nos apercebemos que mudou totalmente a posição dos Tribunais de Contas no país. E as Assembléias e os Parlamentos continuam a agir com o Tribunal de Contas como se ele apenas desse pareceres. Na verdade, o Tribunal de Contas julga, também, uma matéria que é da sua específica capacidade.

E um grande cientista político norte-americano, o Presidente Wilson, que também era professor e cientista político – em um trabalho dele, que eu tenho aqui, sobre administração pública –, ele diz que o funcionário civil, ou seja, o administrador, é a pessoa mais importante do Estado. Por importantes que possam ser os legisladores, os juízes, ou mesmo o chefe do Poder Executivo, o destino do Estado depende, realmente, da presença, na administração pública, de uma adequada espécie de homens. É da administração que surge a maioria de idéias, que depois se transformam em leis, e se transformam em princípios orientadores. Portanto, para ele, o servidor público, o administrador, é a pessoa mais importante do Estado. Como eu acabei de dizer: desde o Presidente da República até o contínuo, até a pessoa que bate carimbos, até o motorista que nos conduz, somos nós que fazemos o Estado agir. É através de nós; nós somos os braços, as pernas e, às vezes, a própria cabeça do Estado. Portanto, terminando, essa classe dos trabalhadores públicos é muitíssimo importante. Faz parte daquele segmento que mantém a sociedade brasileira viva. Bem, em conclusão, o que fazer? O que fazer, então? Nós estamos vendo os novos contratos sociais, estamos vendo as mazelas do sistema previdenciário brasileiro, estamos vendo que as reformas não enfrentaram o problema do “quantum” da pensão mensal por morte, mandando fazer igual ao que o trabalhador recebia em vida. Isso não é matemática atuarial. O quadro de beneficiários, no Brasil, ainda é muito grande, de pessoas penduradas na Previdência. As senhoras viúvas, que têm economia própria, não podem ser dependentes da Previdência.

Previdência não é herança. Previdência é contrato social de grupo, que passa de uma geração para outra geração. Rever todo o sistema previdenciário de acordo com os princípios da Previdência Social.

Nós é que temos de exigir uma reforma previdenciária como deve, regida pelos princípios da Previdência Social: mudança no quadro de benefícios, mudança no quadro de beneficiários, extirpando as anomalias criadas pelas Emendas Constitucionais, que se ressentem de tamanha inconstitucionalidade, dando efetiva proteção aos trabalhadores, que somos nós, e que mantemos a sociedade viva, em nome do grande princípio da segurança jurídica para todos.

É isso que eu tinha a dizer, e agradeço muito a atenção dos senhores.


 

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