IPESP: VEJA O QUE ACONTECEU COM O NOSSO DINHEIRO !
Veja abaixo a íntegra do pronunciamento:
X Seminário Nacional TCMSP- Previdência
Social dos Servidores Públicos – Regime e Gestão
Período: 08 a 10 de Outubro de 2007 Dia: 10/10/2007
Palestrante: Maria Garcia – Procuradora do Estado
Aposentada, Professora Assistente-Mestre de Direito Constitucional da Faculdade
de Direito da PUC/SP e Assessora Jurídica da Universidade de São Paulo
Tema: Visão Crítica das Emendas Constitucionais
na Previdência dos Servidores
Muitíssimo grata por sua recepção calorosa e amiga;
realmente, eu me sinto bem aqui, não é a primeira vez que venho. A admiração
que tenho por este órgão de Tribunal de Contas do Município, que nós
acompanhamos nos estudos de Direito Constitucional, de modo que a satisfação e
a honra são toda minha, pelo prazer de estar aqui. E, principalmente, por
constar de uma platéia de servidores públicos. Eu, realmente, fui Procuradora
do Estado, durante 33 anos, no Instituto de Previdência do Estado, que hoje vi
ser extinto – com muita tristeza, e vou logo mais dizer por quê –, e também
tive a honra de servir na consultoria da reitoria da USP, depois, já aposentada
durante quase oito anos, de modo que eu me considero uma servidora pública,
ainda. E admiro os servidores públicos, e é nisso que vamos falar nesta tarde,
a partir deste tema, de uma visão crítica das emendas, de reforma previdenciária.
Como foi dito antes, três Emendas
Constitucionais modificando, substancialmente, o sistema previdenciário público
no Brasil, e, depois, também, o sistema do regime geral de Previdência Social
no Brasil. Eu não sei por onde começar, porque são tantos os assuntos que me
vêm à mente. Das coisas que foram faladas aqui, eu tive o prazer de ouvir o meu
antecessor falando exatamente da Previdência do Estado e do Instituto de
Previdência do Estado. Mas vamos lá. Procurar dar uma ordem às idéias, porque,
realmente, são muitas coisas a colocar.
A primeira delas é sobre o próprio
sistema previdenciário. O sistema previdenciário faz parte do todo sistema jurídico
brasileiro, que começa com a Constituição Federal e se estende através das Leis
Ordinárias, Leis Complementares, Portarias, Circulares, e Resoluções. Então, o
servidor público conhece esse tipo de legislativa, e isso tudo forma um
sistema, que é um conjunto de elementos ordenados entre si para uma finalidade comum.
Então, o sistema previdenciário. E esse sistema cuida, exatamente, da
Previdência Social. O que é Previdência Social? Previdência Social é um sistema
que estabelece um conjunto de medidas de proteção ao trabalhador quando este
trabalhador, por uma questão emergencial de idade avançada, de enfermidade e de
acidente do trabalho, ele se veja obrigado a parar. E como a única força de manutenção
é a sua força de trabalho, então a Previdência, através do benefício da
aposentadoria substitui o salário do trabalhador. É essa a Previdência Social.
É muito simples: medidas de proteção ao trabalhador e aos seus dependentes,
através da pensão por morte. E isso se espalha pelo mundo inteiro.
Os problemas que nós ouvimos aqui
existem em todos os países. Até nos países mais desenvolvidos, vocês devem ter
lido, anos atrás, no governo Ronald Reagan, a necessidade de modificar uma
série de normas da previdência social norte-americana. A Alemanha também se
ressentiu do problema: é um sistema previdenciário avançado, extraordinário, de
proteção ao trabalhador e a sua família. E, é claro que, dadas as mudanças
econômicas e financeiras do mundo e do próprio país, aqui e ali eles também se vêem
com dificuldade. Mas a questão primeira é esta: quem é deve gerir, portanto, a
Previdência Social?, que se compõe de contribuições dos trabalhadores durante
certo número de anos, para que, na emergência de idade avançada, de enfermidade
ou de um acidente do trabalho, ele tenha o seu salário substituído por um provento
de aposentadoria. Essa é a base, é a filosofia da Previdência Social. Não tem segredos
na Previdência Social. Os segredos nós vamos ver quais são. Então, é necessário
que o próprio Estado seja o gestor da Previdência Social. Porque, para bancar
os ônus da Previdência Social, não é fundo qualquer, ou como é no sistema
chileno: os sindicatos é que gerem a economia dos trabalhadores, as contribuições
dos trabalhadores. E, agora, esse sistema que está sendo implantado pela Lei nº
1.010 é uma cópia, é uma espécie de adequação do sistema chileno. O sistema
chileno estabelece um benefício X pago pelo Estado, igual para todos, e depois
o trabalhador vai receber o excedente ou o “plus” através de seu sindicato, que
é o sindicato que administra as contribuições dos trabalhadores. Como os
senhores vêem, um sistema precário. Nós não temos, ainda, notícias; como o
sistema é mais ou menos recente no Chile, nós ainda não temos notícias bastante
satisfatórias de saber como está funcionando o sistema chileno. Então, não
podemos dizer que ele seja bom. Eu vejo com muito medo que um sindicato venha a
administrar as contribuições de toda uma vida do trabalhador. Isso é muito
precário, porque no Brasil nós já tivemos, no passado, fundos de pensão – os
senhores não lembram; nem é do meu tempo. Fundo União, montepios em que o
gestor fugiam com a mala do dinheiro. É uma expressão vulgar. E as pessoas que
participavam não tinham segurança nenhuma, porque entregavam as suas economias àquela
entidade, o Estado sabia que existia aquela entidade, mas o Estado não se
responsabilizava pelo dinheiro que era depositado nessas entidades. Vamos ver.
Fundo União, montepio de não sei o quê de não sei o que lá, que as pessoas, os
gestores, simplesmente, sumiam com o dinheiro e não havia garantia nenhuma.
Então, para mim, é ainda o sistema europeu. No sistema europeu e boa parte dos
sistemas americanos, com exceção do Chile, a Previdência é gerida pelo Estado.
Porque é só o Estado que tem dinheiro o bastante para bancar a proteção do trabalhador.
É isso que é a Previdência Social. Portanto, não podemos deixar na mão de
gestores – vamos supor, particulares – que não seja o próprio Estado essas
importâncias imensas que, quando chega a hora do trabalhador necessitar, se
veja premido porque não é suficiente, porque houve um rombo na administração.
Então esse é o primeiro ponto que eu quero colocar. Eu sou inteiramente favorável
à gestão da Previdência pelo Estado. Porque só o Estado que tem a suprema
autoridade e a verba para garantir ao trabalhador que, quando ele precise, ele
tenha o substitutivo do salário. É isso a Previdência Social. Aquele salário
que eu já não posso ganhar é substituído pela aposentadoria. E aí, nós sabemos,
entra uma porção de problemas muitíssimo sérios. Por quê? Por que existe
Estado? Por que existe essa máquina pesada e cara que nós carregamos, que se
chama Estado? Para garantir três funções essenciais. Saúde, Educação e
Segurança. Saúde, Educação e Segurança. Saúde gratuita, educação gratuita e segurança
mediante contribuição, evidente, do próprio participante do fundo ou do sistema
previdenciário. Quando se fala segurança, estamos falando da exata segurança de
quê? De que, ao fim da contribuição, você possa receber a sua pensão ou a sua
família possa receber a pensão que você deixou por morte. Pois bem, esse Estado,
que tem por atribuição essencial – quer dizer, ele existe por isso. Não fosse
isso, não precisávamos de Estado. Mas quem é que banca a saúde para toda a
população, e não apenas para o cidadão? Quem é que banca educação para todos? O
artigo 205 diz: “todos têm direito a educação.” “Todos” quer dizer “todos”. No território
nacional, quem é que pode bancar? Somente o Estado. E a segurança, quem é que
pode bancar a segurança? A segurança do trabalho, de você ter trabalho; a
segurança pessoal de ir, vir, permanecer; a segurança de que, ao fim dos seus
anos de contribuição, em idade provecta, ou na enfermidade, ou no acidente, você
tenha um substitutivo do seu salário. Só o Estado pode bancar essa garantia,
essa segurança. É por isso que existe o Estado. São três funções essenciais
básicas.
Ora, o Estado, então, é que faz as
leis. Poder Legislativo, Assembléias Legislativas, Câmaras Municipais, é o Estado.
Tudo isso representa o Estado fazendo leis para nós. Então, na questão da
segurança, nessa função essencial do Estado, é que nós vamos permanecer. Para
os fins de atendimento à segurança, para que você tenha trabalho e que você
tenha proteção previdenciária, então, foi estabelecido o sistema da seguridade
social. Está lá no artigo 193, 194, da Constituição: “Sistema da Seguridade, compreendendo
a saúde, a Previdência Social e a assistência social.” A saúde gratuita. A
Previdência Social contributiva, e vamos ver por quê. E a assistência gratuita
também. O artigo 196 diz: “Todos têm direito a assistência social.” Qualquer
pessoa no território nacional tem direito a assistência social. Não é possível,
mas existe pessoa dormindo na rua, morando na rua, mas isso é de um Estado que
não está cumprindo a sua função de segurança. Mas vamos lá. Então a seguridade
social, qual é a natureza? Dentro da seguridade social, nós vamos destacar a
Previdência Social, que ela é contributiva. Qual é a natureza da Previdência
Social? Qual é a natureza jurídica? O que se estabelece entre o trabalhador contribuinte
e o Estado, que é o agente securitário da Previdência Social, hoje, no Brasil?
Ainda não entrou esse fundo, o SPPrev; ainda não está funcionando. O que existe
hoje? Existe um contrato de seguro social. Existe um contrato de seguro social,
em que, pelo simples fato de você exercer uma atividade laboral, uma atividade de
trabalho, você já é associado do Instituto de Previdência Social. É o que diz o
regime geral da Previdência Social. Você ingressa no trabalho. Eu estou
falando, por ora, dos trabalhadores em geral; depois nós vamos entrar no
servidor público.
Então, pelo simples fato de você exercer
uma atividade laboral, você já é segurado da Previdência Social. O que quer
dizer? Tanto na área privada quanto na área pública, que, se você morrer e
ainda não fez a primeira contribuição de Previdência Social, os seus
dependentes têm direito a pensão por morte. Veja, e você não contribuiu nenhuma
vez, ainda.
É possível? É possível. Está lá no
regime geral da Previdência Social. Faz-se o cálculo como se fosse
aposentadoria por saúde, e os dependentes não podem ficar à míngua. Eles vão
ter de receber a pensão por morte. Eu estou fazendo, já, esta referência,
porque vou ver, afinal, a questão do direito adquirido. Então no primeiro dia você
já é segurado da Previdência Social, não importa o número de contribuições que
você tenha feito: se você morrer, se você tiver um acidente do trabalho, se
você for acometido de uma enfermidade grave que não lhe permita trabalhar, você
tem direito à aposentadoria; e você ainda não completou os anos de
contribuição. Por quê? Porque a previdência é substitutiva do salário; e, se
você não pode receber o salário, tem de receber a aposentadoria. E, se acaso
você morreu em um acidente do trabalho, os seus dependentes menores, que
dependem de você, têm de receber a pensão mensal por morte.
Essa é a filosofia da Previdência
Social. Fora disso, são interpretações errôneas, capciosas, inconstitucionais,
dos órgãos de Previdência Social. Dos órgãos de Previdência Social. Quando você
entra em uma agência de Previdência Social, por uma necessidade qualquer, até
para pedir informação, você tem impressão de que você é uma inimiga. Porque
recebem você de uma maneira, naqueles guichês; recebem as pessoas de uma tal
maneira – esquecem que um princípio que fundamenta o Estado brasileiro é o
fundamento da dignidade da pessoa humana. Tem que ser atendida com toda a atenção.
Ainda que seja uma pessoa ignorante, que incomode, que pergunte muito, que não
entenda. Que pergunte outra vez. E aí entra o servidor público, que somos nós.
Esse é o público que nós temos de servir. Mas este é apenas um parêntese.
Então, a natureza, o regime jurídico
da Previdência Social é um contrato de seguro social, que o trabalhador faz com
a União, Estado, Município, e cujas cláusulas securitárias estão insertas na
Constituição. As cláusulas desse seguro social estão na Constituição, a partir
do artigo 194, depois artigo 201. As cláusulas estão todas lá. Qualquer lei
infra-constitucional que não atenda ao que está escrito na Constituição, e ao
espírito da Previdência Social, será inconstitucional. E nós encontramos tranqüilamente
leis infra-constitucionais que infringem o espírito constitucional. Quando
Procuradora do Estado, me deparei com uma lei estadual, de uma determinada
classe de funcionários, não está mais em vigor, que dizia mais ou menos o
seguinte: “Morto o trabalhador”, de uma classe de trabalhadores, do pessoal de
obras, que não existe mais. Agora tem os contratados, os extranumerários; o
Estado está sempre criando essas filas, não é? Da Lei nº 500, por exemplo. É
uma coisa triste, mas deixe para lá. É assunto de Direito Administrativo. Pois
bem, essa lei tinha um dispositivo que dizia mais ou menos assim: “Morto o
segurado, poderão habilitar-se à pensão a mãe e a esposa, se honesta.”
Acreditem se quiser. Como é que pode uma lei estabelecer uma coisa dessas?
Basta provar que é esposa. Se é honesta ou não, é problema do “de cujus”, e ele
já morreu. Eu não tenho nada a ver com isso. Então, basta provar que é esposa.
Apenas para comprovar aos senhores como o legislador ordinário vai fazer coisas
incríveis, descumprindo a Constituição e o espírito daquele instituto em que
ele está legislando.
Natureza de seguro social, de
instrumento necessário à paz social, pelo qual se enfrentam os problemas, não
apenas da idade avançada, da doença e do infortúnio ou do acidente do trabalho,
mas ainda a questão dramática do desemprego. Hoje, nós temos seguro-desemprego.
E das carências de habitação. Por exemplo: com a morte do Ipesp, morreu a
carteira predial para os servidores que não podiam comprar a casa própria. As
nossas maravilhosas
carteiras prediais, pelas quais você
comprava o imóvel – o Ipesp pagava o imóvel à vista, e você pagava em longos
quinze, vinte anos. Eu tenho dois imóveis – ambos comprados através do
Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Pai e mãe. Pai e mãe. Acabou.
Vai acabar. Por quê?
Eu tive um aluno de Previdência
Social, que uma vez discutiu, debateu que habitação não é previdência social.
Senhores, habitação é previdência social, porque está dentro do princípio da segurança.
A segurança de que, depois de um dia de trabalho, você tem um lar onde se
agasalhar. É um direito social, está no artigo 6º. E quem vai suprir este
direito social da habitação? O Estado, para aqueles que não têm dinheiro para
comprar um imóvel. Ou não podem, ou não têm um crédito bancário, porque o seu
salário é muito baixo, ou porque o plano do banco é muito caro – e os senhores sabem
disso. Juros extorsivos, muitas vezes. Então habitação também está dentro do
princípio da segurança e da função do Estado de nos dar segurança; a segurança
de voltar para casa. É fundamental para a cabeça do ser humano. Mas aí vocês me
perguntam: as pessoas que moram na rua, o que sente essa cabecinha quando chega
o fim do dia e não têm para onde ir? Os senhores imaginaram o “parafuso”? O dia
morre, surge a noite, não têm uma toca onde se abrigar. E os senhores sabem que
toca é fundamental para qualquer animal. Todos se abrigam, quando chega a
noite. Você não vê um passarinho no céu. Porque a toca é importante.
A Previdência Social vem de uma
doutrina maravilhosa, que não dá nem tempo de comentar; mas vou comentar apenas
os quatro princípios, as quatro liberdades do Presidente Franklin Roosevelt. Das
quatro liberdades que este Presidente colocou na doutrina do New Deal, ou do
Novo Contrato. Porque ele precisava impor as leis de Previdência Social, mas o
sistema norte-americano não admitia a intervenção do Estado na ordem econômica
e social. Então o Presidente Roosevelt conseguiu a aposentadoria de alguns
juízes da Suprema Corte; colocou os juízes que ele sabia que eram favoráveis às
suas idéias maravilhosas; e estabeleceu o New Deal. E, dentro desse New Deal,
ele estabeleceu quatro princípios ou quatro liberdades fundamentais para o ser
humano. A liberdade de expressão de pensamento; a liberdade de crença; a
liberdade de viver sem medo; e a liberdade de viver sem necessidades. Que é
suprida pela Previdência Social, pela substituição do salário. Eu gostaria que os
senhores prestassem atenção. A aposentadoria é substitutiva do salário.
A aposentadoria paga pelo INSS
substituiu salário? Então já peca pela base. E nem o Congresso Nacional toma
conhecimento disso, pela absoluta ignorância do que é Previdência Social. E
eu,
que
estive 33 anos na Procuradoria do Ipesp, muitas vezes, não
sempre,
assisti administrarem o Ipesp pessoas que não tinham a
menor
noção do que é Previdência Social. Apesar de que, no Estatuto
do
Ipesp, exigia-se que o Superintendente tivesse conhecimentos
seguros
na área da Previdência Social. Tudo cargo político.
Nomeação
política por influência política. Desde que tenha capacidade,
tudo bem.
Então vamos lá. Eu estou consultando
trabalhos meus. Daí, que qualquer reforma da Constituição, que
efetivamente seja necessária para interesse público, em especial a reforma previdenciária,
deveria objetivar a melhoria da proteção do trabalhador. Qual foi o grande
jurídico motivo das três Emendas previdenciais? Qual foi o motivo
técnico-jurídico? Falta de dinheiro nos cofres públicos. Problema de caixa.
Os senhores se lembram: todos os jornais estamparam. “Previdência não tem
caixa, então vamos reformar a Previdência, criando mais entraves à aposentadoria
e às pensões dos trabalhadores.” E foi o que fizeram as três Emendas
previdenciárias, que não atenderam a um pressuposto fundamental: serem
submetidas a plebiscito ou a referendo.
Se os senhores repararem, as mais de
cinqüenta Emendas que a Constituição já sofreu até agora, nenhuma delas foi
submetida a consulta popular. O que quer dizer? Elas são legais,
porque atenderam aos pressupostos de como se
faz uma Emenda Constitucional, mas
não são legítimas, porque não passaram pelo
crivo do povo. E, lá na Constituição diz
que todo o poder pertence ao povo. Mas o povo
está de boca fechada, porque não foi consultado. Nenhuma
das Emendas Constitucionais é legítima; são legais.
Talvez constitucionais, se realmente não conflitarem com a
Constituição,
mas nenhuma delas é legítima, porque não foram objeto
de
consulta popular. Plebiscito ou referendo, artigo 14 da
Constituição.
A
partir daí, qual é o problema, afinal, da Previdência
Social?
Se eu estou falando coisas tão bonitas: “A Previdência se destina a proteger
o trabalhador, substituindo o seu salário, portanto, uma aposentadoria
condizente, e, assim, por tabela, a pensão por morte aos seus dependentes; o
sistema está tão bem colocado, a sua fundamentação é tão grande.”
Na Revolução Francesa, que já
discutia a Previdência Social, diziam os franceses, em 1789, que a Previdência
era uma dívida sagrada da sociedade para com o trabalhador. É uma dívida sagrada
da sociedade para com o trabalhador. Por quê? Porque somente o trabalhador é
que mantém a sociedade viva. Nós que trabalhamos, contribuímos, consumimos, é
que mantemos a sociedade viva. Porque, em uma ponta, em um pólo, você tem os
idosos não produtivos, as crianças – nada contra eles, mas não são economicamente
produtivos; têm de ser protegidos. E na outra ponta, vocês têm a classe
política, igualmente improdutiva, do ponto de vista econômico. Em
outros pontos de vista também, mas vamos ficar no ponto de vista econômico. Não
produzem nada. O que produz a
classe política? Nada. Okay?
Então nós, que estamos no meio da sociedade,
sustentamos a sociedade e esses dois pólos de segmentos improdutivos da
sociedade. Portanto, esse segmento dos trabalhadores é o mais importante
segmento de uma sociedade. Não é o parlamentar, não é o Presidente da
República, não. São os trabalhadores. Eles são o mais importante segmento
social: os trabalhadores, porque mantém a sociedade viva, através do seu trabalho
e através do consumo que eles, inclusive, estimulam a se produzir. Então, o que
está acontecendo, afinal, com a Previdência, no nível federal ou no nível
estadual? Alguma coisa certamente já foi ouvida aqui, pelos que me antecederam.
Agora, nós ouvimos coisas incríveis.
Por exemplo, a primeira questão que eu anotei: a Lei nº 9.717/98, estabelecendo
que a União, o Ministério da Previdência Social determinará a alíquota para o
Certificado de Regularidade Previdenciária. É uma intromissão indevida,
inconstitucional, na vida do Estado e do Município,
porque o artigo 1º da Constituição reza que o Brasil é
uma
república federativa. E o que quer dizer “federação”? Quer
dizer
que os seres federados, União, Estados, Municípios – Distrito
Federal
eu não considero entidade federativa, mas está na Constituição;
Distrito Federal foi um lobby para ter um belo cabide
de
empregos, governador, câmara legislativa, em 88. Mas aquelas
entidades
realmente significativas são: a União dos Estados, os
Estados,
e os Municípios. E diz a Constituição: todos autônomos.
Está
no artigo 18 da Constituição. Como a União vai se meter na
Previdência
Social do Estado ou do Município? O que ela tem que
dizer,
estabelecendo teto, estabelecendo alíquota, estabelecendo
certificado?
Senhores, isto é absolutamente inconstitucional.
Impressionante.
Eu fico pasma.
Eu vou explicar aos senhores: eu
estou um pouco retirada da Previdência Social – parei de ser Procuradora do
Estado, do Ipesp, e parei de lecionar Previdência Social. Quando eu leciono, agora,
é o Regime Geral; eu já não conheço muito bem o regime de São Paulo. Não
conheço porque não estou mais acompanhando. Daí eu fico surpresa com essa Lei
nº 9.717 metendo o bedelho na vida do Estado de São Paulo. Desde quando? E
ninguém se mexe. Argüição de inconstitucionalidade.
A questão do direito adquirido, vamos
passar brevemente.
Quando você começa a trabalhar, você
já é considerado segurado da Previdência Social, como eu já expliquei
anteriormente. Estabelece-se um contrato social entre você e o Estado. Esse
contrato tem um tempo certo. Ou tem motivos de aposentadoria, como eu já disse aqui:
idade avançada, enfermidade grave, infortúnio ou acidente do trabalho. Tem que
haver um tempo certo de contribuição, porque é um contrato de seguro, como
seguro do carro, como seguro da casa. Você tem que contribuir com um certo
número de mensalidades para que, ocorrendo sinistro ou risco ou aqueles três
motivos, você venha a receber o prêmio do seguro. Mas é social. Eu disse
“contrato de seguro social”, e não privado; ou seja, se você não cumpriu os
anos de contribuição e venha a ocorrer o sinistro, você ou os seus dependentes
já recebem o seu benefício previdenciário. Portanto, não é uma expectativa de
direito; é um direito adquirido. E se, ao ingressar no trabalho, nesse
contrato de seguro social, você já conhecia as cláusulas que regem o contrato,
como é que, unilateralmente, o Estado vai modificar as cláusulas contratuais?
Nenhum juiz vai admitir que uma das partes, unilateralmente, modifique as
cláusulas contratuais. Seriam as Emendas, viriam,
para os segurados a partir da Emenda. Mas como a finalidade
das Emendas foi problema de caixa, os donos do poder não
podiam
esperar, então já fizeram incidir as novas normas de
Previdência
Social, aumentaram a contribuição. Não que a
contribuição não possa ser aumentada, porque a contribuição
é um problema atuarial. Matemática atuarial. Portanto,
é
um problema de números. Se os administradores da Previdência
verificam,
a certa altura, que, com aquele valor de contribuição,
diante
da massa contributiva, a massa beneficiada, não vai poder
pagar
os benefícios, tem de aumentar as contribuições. Vejam bem,
eu
não estou dizendo que as contribuições sejam intocadas; que o
problema
é de número. Não é um problema apenas jurídico. É um
problema
de número. Também o quadro de dependentes pode
ser alterado. Vejam: vocês viram pela palestra anterior
que o SPPrev vai unir o sistema previdenciário
civil e o sistema previdenciário militar. Vejam que
coisa
absurda. O sistema previdenciário militar ainda mantém a
filha
solteira como beneficiária.
Queridas – isto é dirigido às
mulheres. A mulher ser beneficiária do pai por causa de
celibato, é como se você estivesse doente. Celibato
não é doença. Eu sou solteira até hoje e não morri.
Estou aqui, ótima. Não morri do celibato. Portanto, celibato
não
pode ser motivo de percepção de pensão mensal. É uma diminuição
para
a mulher. Que a mulher, hoje, trabalha, tem economia própria,
que
coisa maravilhosa. A questão do celibato e da dependência das
filhas
solteiras, isso foi até os anos 40, mais ou menos, porque,
efetivamente,
o sistema social brasileiro e o tempo da colônia, ainda
mais quando você estuda a situação da mulher no Brasil – a
mulher
saía de casa três vezes: para batizar, para casar e para
enterrar.
Fora disso, morreu, dentro de casa. Não podia trabalhar.
É
claro que ficava na dependência do seu pai e, com o casamento,
passava para a dependência do seu
marido. Nada contra, nem ao pai, nem ao marido; mas ela ainda não tinha
economia própria. E evidente que a lei tinha de protegê-la. Claro. Morria o
pai, morria o marido, essa coitadinha, o que ia fazer? Não tinha trabalho. Não sabia
sair de casa para trabalhar – então a lei vinha proteger a mulher. Mas, de anos
para cá, como eu vou manter pendurada no quadro da Previdência Social a filha
solteira? O Ipesp tinha filha viúva. A moça casou, cuidou da própria vida,
enviuvou, ficou outra vez na dependência do pai. O que é isso? Essa mulher não
existe. Tem que trabalhar. O quadro de dependentes – eu estou me adiantando –,
já é outro problema da Previdência Social. É o quadro de dependentes do associado
que faleceu. Na Inglaterra, que é um sistema maravilhoso de Previdência Social
– na Europa em geral –, a esposa somente será beneficiária da pensão mensal por
morte, o marido morreu, em dois casos: se ela tiver mais de 65 anos ou se ela
for incapaz. Fora disso: trabalhe, querida. Qual é o problema? É o que nós
queremos: é trabalhar, ter econômica própria, que coisa maravilhosa. Sem desdouro
nenhum. E hoje? Qual é a esposa que não deve trabalhar para ajudar a economia
doméstica? A vida está tão difícil. A escola está tão cara. Precisa ser uma
companheira do marido. Claro que sim. Não no sentido de feminismo. Odeio
feminismo. No sentido de feminilidade. A mulher tem que ser feminina, mas
ajudar o marido. Casamento é isso: é companheirismo, ombro a ombro. Não casei,
mas tenho idéia de que deve ser isto.
Então, já tem o problema do pacto
federativo. Essa lei já é inconstitucional. Tem o problema do direito
adquirido, que ele adquiriu no primeiro dia que começou a trabalhar. Então, não
pode haver alteração do contrato, unilateralmente. Infelizmente, o nosso Supremo
Tribunal Federal já falou a respeito disso, mas eu continuo escrevendo e
falando contra. O nosso Supremo é um Tribunal excepcional, é de uma capacidade
extraordinária, tem uns juristas maravilhosos lá dentro, mas às vezes erra,
não? Até por falta, eu vou me atrever a dizer, de conhecimento do que é
Previdência Social. Sabem por quê? Porque as faculdades de Direito, nem todas têm
esta matéria no currículo. Vocês sabiam disso? A PUC é uma exceção; a PUC tem,
há muitos anos, Direito Previdenciário. A USP não tem. A USP, onde eu me
formei, tinha Direito Social, que era Direito do Trabalho com um pouquinho de
Acidente do Trabalho. Foi isso que eu aprendi lá. Até lecionar Direito
Previdenciário na PUC, que aí eu tive de estudar Previdência Social, para poder
ensinar.
Então, primeiro, os juízes
desconhecem a filosofia, o espírito da Previdência Social. Então, a partir daí,
nós temos decisões assim, desencontradas. E essa foi uma. A questão “não tem
direito adquirido contra a Constituição.” Ora, é uma Emenda Constitucional. A
Emenda tem a natureza de Constituição, mas a Emenda não é Constituição, por
definição. É uma Emenda. Dá para perceber o que eu quero dizer. Ela tem
natureza, mas ela pode ser inconstitucional. Logo, cumpria ao Tribunal estudar
do ponto de vista da inconstitucionalidade.
Outra questão que surgiu aqui foi o
das contribuições previdenciárias. Ai, meus queridos, me dá vontade de chorar.
É um assunto que me dá vontade de chorar. Eu sinto muito dos que falaram anteriormente
a mim, mas eu trabalhei 33 anos na Previdência Social, e lecionei 10 anos
Previdência Social. Quer dizer, fui fundo, fui verificar até por que existe.
Essa proteção existe, diz Rober Castel – tem uma obra excelente, “As
Metamorfoses da Questão Social” –, ele diz que existe a Previdência Social, que
inventamos a Previdência porque o trabalhador não tem propriedade com a qual se
manter. Ele não tem propriedade nenhuma. O que ele tem é a força de trabalho,
de maneira que, quando falta essa força de trabalho, para compensar que ele não
tem propriedade, então vem a proteção. É previdenciária. Porque, se ele fica
doente, ele não tem uma propriedade da qual se manter ou alugar ou coisa
semelhante. Vejam a filosofia extraordinária da Previdência Social.
Do ponto de vista das contribuições
previdenciárias, da minha experiência do Ipesp, e da minha experiência da
Previdência do regime geral, que é a União Federal, ficou a seguinte constatação:
o Estado arrecada a contribuição do trabalhador, seja no regime geral, seja nos
regimes privados, nos regimes estaduais ou municipais. O Estado paga,
descontando a contribuição previdenciária. De acordo, você já recebe
descontado; não dá tempo nem de chiar. Ganha descontado. O que ele faz? Ele
manda para a instituição previdenciária? Ele manda para o INSS? Ele manda para
o Ipesp, que já morreu? Ele manda para o Iprem? Não. Essas contribuições ficam
na Fazenda Pública. E ele manda para as instituições previdenciárias aquilo que
elas vão gastar naquele mês. Quanto vão pagar de aposentadoria? X. Quanto vão
pagar de pensões? Y. Quanto tem de despesas do seu funcionalismo? Z. Então a Fazenda
Pública manda para a instituição previdenciária aquilo que a instituição vai
gastar no mês. O resto das contribuições fica na Fazenda Pública. E onde isso é
empregado? Já foi dito aqui, pelo Doutor Flory; e tem um belíssimo artigo de
Sandra Cavalcanti dizendo o que aconteceu com a Previdência Federal. A
Previdência Federal começou a usar dinheiro dos trabalhadores para construir Brasília.
Ou vocês acham que o Presidente Kubitschek tinha dinheiro do Tesouro Nacional
para construir uma capital só para ele? Ele foi pegar o dinheiro da
Previdência
Social. Estava ali; na mão. E empréstimos do exterior.
Foi
assim que foi construída Brasília. Então, lá em Brasília está
enterrado
muito dinheiro dos trabalhadores brasileiros. Vejam,
Juscelino
Kubitschek, grande estadista brasileiro, hein? Cada coisa
no
seu lugar. De acordo? Mas Eugênio Gudin, que foi um imenso
professor de Economia aqui no Brasil, dizia o
seguinte, de Juscelino: “Um playboy que queria
uma capital só para ele, e construiu.” Uma opinião um pouco
ácida do Eugênio Gudin, um grande economista brasileiro.
Então está aqui no jornal, no Estado de São Paulo, de 5
de
março de 2003. Não é Maria que está inventando: “Alguns especialistas
calculam que a sangria nos fundos de pensão para construir Brasília tenha
chegado a pelo menos três bilhões de dólares.” À época. Está lá o dinheiro da
Previdência Social. O Ipesp, a Secretaria da Fazenda, faziam o seguinte: a
mesma coisa. Os órgãos públicos pagam os seus funcionários e
retêm a contribuição previdenciária, que era
de 6% e 7% no primeiro ano de serviço público.
O
que ela mandava para o Ipesp? O que o Ipesp tinha emprestado
de carteira predial, da carteira do lazer, da carteira
odontológica
– que conseguimos criar no Ipesp; o atuário do Ipesp e
eu
fomos a Santa Catarina, que esteve aqui o representante de Santa
Catarina,
e descobrimos que o Ipesp tinha uma carteira odontológica.
Queridos: dente, mastigação, é assunto de saúde pública.
E o povo brasileiro é um povo desdentado. As pessoas
perdem
os dentes muito cedo, porque o tratamento dentário é muito
caro,
e o nosso sistema prefere arrancar o dente do que tratar,
porque
o tratamento é caro. Então o coitadinho está com dor de
dente;
ele vai lá, ao invés de pagar o tratamento dentário, que é
caro,
ele paga a extração do dente. Pronto, lá foi embora o dente;
nunca
mais vai ter outro dente. Acabou. Não é isso que acontece no
Brasil?
Estou falando “in genere”, uma coisa geral. Então, no Ipesp
nós
instituímos a carteira odontológica, pela qual o servidor ia ao
dentista
credenciado pelo Ipesp, fazia o orçamento, o Ipesp pagava,
parcelado
mas à vista, e depois ele pagava o Ipesp em longas
prestações
mensais. Assunto de saúde pública. Tiraram isso do
servidor
estadual. E lazer? As férias são importantes para a saúde?
Os
médicos dizem que sim. O Governo diz que não. Porque nós
tínhamos
a carteira do lazer, pela qual, juntando uma certidão de
tanto
a tanto você tinha direito a férias, o Ipesp lhe emprestava
uma
importância de um cálculo, para você poder sair, desligar,
descansar
de verdade. Acabou. Com a morte do Ipesp, acabou. O
Iprem,
acho que não tem. O Iprem, acho que não tem carteira
habitacional,
carteira odontológica, carteira do lazer. Que coisa
maravilhosa.
Isso é proteção do trabalhador. Isso morreu com a morte do Ipesp. Ou seja, a
Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo fica com as contribuições e manda
para o Ipesp apenas o que ele vai gastar. O resto, ninguém sabe, ninguém viu.
Mesmo porque não há transparência. Nenhum órgão tem acesso às contas da Fazenda
do Estado de São Paulo. Nem deputado, nem cidadão. O ICMS, você não sabe quanto
rendeu. Você não sabe. Porque se basear no cálculo da arrecadação do ICMS, é a
Fazenda que diz, e você tem de aceitar.
Então, queridos, está escrito no
jornal: Sandra Cavalcanti. Estadão de 5 de março de 2003. Gastamos para fazer
Brasília aproximadamente três bilhões de dólares, que vieram parte da
Previdência dos trabalhadores e parte de empréstimos feitos no exterior, que estamos
pagando até hoje. Pagando empréstimo não, estamos pagando juros. Esta é a
conversa da Previdência Social. É por isso que, de vez em quando, aparece o
déficit da Previdência – não acreditem. O déficit só existe se for déficit técnico,
que vem do próprio sistema. Porque dinheiro há. Só que o dinheiro,
o Governo gasta com folha de pagamento, com Brasília, com a Rodovia Norte-Sul,
com pagamento de juros pelas letras que vende, pelos títulos. Enfim, o dinheiro
do trabalhador é usado em “n” possibilidades. Vejam bem: coisas públicas. Eu
não estou dizendo que ninguém está desviando verba, mas o dinheiro do
trabalhador está sendo usado indevidamente, porque o sistema da Previdência é contributivo,
tem de voltar para o trabalhador em benefícios para o trabalhador. Não apenas
em aposentadoria e pensão, mas um quadro de benefícios, como eu disse.
Habitação. Carteira odontológica. Carteira do lazer. Que ele vai pagar; não
está sendo dado de graça, ele vai pagar. Só que ele vai pagar em suaves
prestações, de acordo com o seu salário.
Então, é isso que acontece com o
problema das contribuições previdenciárias. Vocês não me perguntaram, mas poderiam
perguntar: “Vai continuar?” Vai. Vai. Sabem por quê?
Empatado o regime geral da
Previdência no Brasil, em 1977, quando os institutos de previdência foram
unificados – alguns de vocês lembram
disso. Havia seis institutos de previdência; foram unificados em um só, que se
transformou nesse monstro que se chama INSS, que, para administrar isso, é um
horror. E, na área do Estado de São Paulo, a Lei nº 4.832/58, que acabou de
morrer, os trabalhadores e os servidores contribuíam. Mas o Estado nunca contribuiu.
A
dívida da União com a Previdência Social é de bilhões. Ela foi consolidada, em
1977, mas nunca – grifem –, nunca foi paga. A dívida do Governo do Estado de
São Paulo com o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, que acaba de morrer,
nunca – sublinhem –, nunca foi paga. Então estava faltando a contribuição de
uma parte. Como vão dizer que tem déficit?
E o Doutor Flory acabou de dizer que,
nesse acerto da SPPrev, aqueles imóveis que o Ipesp construiu – fóruns,
cadeias; que não era da competência do Ipesp, construir fórum nem cadeia. É do
dever do Estado de São Paulo. Mas quem faz o Estado com o dinheiro do Ipesp,
constrói fóruns e cadeias, que nunca pagou ao Ipesp. Outro motivo de déficit.
Dívidas não pagas. Agora vão fazer um acerto. Sabem o que vai acontecer? Me
cobrem. Me cobrem, de futuro. “Ah, Maria, você falou mal aquele dia, no
Tribunal de Contas do Município. Você se enganou, Maria. Olhe aí. Estão pagando
as dívidas.” Me cobrem, por favor. Vai dar em nada. Vai fazer feito um
levantamento, dizer quanto deve, mas essa dívida não vai ser paga para o fundo
dos servidores e militares do Estado de São Paulo. Porque é quase impossível
pagar. Dívida antiga. O Estado tem muitos encargos. Vejam bem: tem saúde, tem
educação, transporte, habitação. Não é brincadeira, para pagar uma dívida.
Aliás, ninguém pode cobrar. O Ipesp nunca pôde cobrar do Estado. Porque ele não
podia; ele era órgão do Estado. Como uma autarquia vai cobrar do Estado? Não
podia cobrar. Então isso é fundo perdido. Outro motivo de déficit que não
houve.
Quando os senhores lerem “déficit
previdenciário”, podem dar risada. Isso não existe. Porque o dinheiro nunca foi
para o INSS. Logo, não é déficit técnico. O dinheiro não entrou. Como é déficit
do INSS? O dinheiro ficou nas burras da União Federal. E, também, as notícias sobre
o INSS, vejam, são contraditórias. Vejam, isso é de 30 de setembro. Recorte do
Estadão. O que a turma tem que ter medo de mim é que eu tenho um dossiê danado:
eu recorto, eu guardo. Eu guardo. Essa aqui diz: “Alívio temporário nas contas
do INSS.” Estadão, 30 de setembro de 2007. Aqui, o que fazem? É feito um
levantamento, diz que o déficit diminuiu um pouquinho, e que – aí fazem uma
carga, adivinhem contra quem? Contra os idosos. Vêm dizer assim, quer ver? Um
professor da FEA. Não vou dizer o nome, porque senão ele me mata amanhã. “Uma
grande ameaça às finanças do INSS é o envelhecimento populacional, que solapa o
regime de repartição, no qual as contribuições dos jovens custeiam os benefícios
pagos aos mais velhos. Vamos passar de um país jovem para um país com
crescimento populacional zero, que terá que sustentar uma população crescente
de idosos, por intermédio de uma população adulta cada vez menor. Mas vejam,
uma grande ameaça é o envelhecimento populacional, quer dizer, você ficar velho
é uma ameaça, você contribuiu a vida inteira com imposto de renda, imposto
disso, imposto daquilo, você paga imposto e com a contribuição á Previdência
agora, você é uma ameaça. Não fique velho, morra. Não tem que ficar velho. Me
perdoem. Parece até uma brincadeira, porque o assunto é tão sério e tão árido
que nós precisamos temperar um bocadinho, mas é, realmente, de rir a
compreensão dessas pessoas. Isso que diz que nós vamos passar para um
crescimento populacional zero? Esse professor tem de ir na periferia. Na rua só
tem criança e cachorro, e eu adoro criança e cachorro, mas, queridos, é o que
você mais vê na periferia. Então, como é que vamos para um crescimento
populacional zero?
O grande problema previdenciário do
Brasil são as famílias pobres numerosas, que são um grande encargo social. Nos hospitais
públicos, nas escolas. Como dar saúde e educação gratuita, nascendo tantas
pessoas, estou chamando de pessoas, que estão nascendo no Brasil? Não há o
menor controle, o menor estímulo ao não aumento demográfico. E, eu vejo poucas
pessoas escrevendo sobre isso. O único que eu vejo escrevendo sobre isso é
aquele médico que escreve na Folha, casado com uma atriz muito linda, o Drauzio
Varella. O Drauzio Varella já escreveu vários artigos chamando a atenção das
autoridades para o crescimento demográfico descontrolado no Brasil. Eu não sou
favorável ao aborto, longe de mim, é antes que tem que prevenir, através de uma
educação sexual, através de propiciar, às senhoras, que já tem dois ou três
filhos, que façam uma operação. O INSS tem uma idade empregada, que nós conversamos
muito sobre isso, o INSS estabeleceu uma idade que, até lá, nós temos dez
filhos. Aí não adianta fazer uma operação. Precisa diminuir a idade dessas
senhoras que não querem ter mais filhos, ou que não querem ter filhos, é um
direito, acabou, você não quer ter. Não é abortar, é não ter. Elas não podem
pagar um médico, esse é um outro problema da previdência social. Então, vem
dizer de aumento populacional zero? Essa pessoa não anda na periferia. Vai
andar na periferia para ver como a situação está.
E, também, a contribuição dos
inativos, vejam os senhores, como é possível? Você fez um seguro de contrato
social com o Estado, União ou Município. Pagou as suas contribuições, recebeu o
seu prêmio, aposentadoria e agora tem de pagar de novo? Para quê? É até uma
questão lógica. Se você já está aposentado você está pagando para quê? Alguém
me explica? Eu estou pagando de novo, muita gente aqui, talvez… Não, vocês são
servidores na ativa. Eu estou pagando de novo. Já paguei, já recebi e estou
pagando outra vez, 11% ao mês sobre a minha aposentadoria. Quer dizer, até peca
contra a lógica, e o Supremo Tribunal aceita uma coisa dessa.
Tem um artigo belíssimo aqui, do
Paulo Nogueira Batista, que é um economista brasileiro de prol, ele está na ONU
agora, e, ele diz: “Contribuição Previdenciária de inativos?”. O servidor ativo
faz contribuições para custear a sua aposentadoria e eventuais pensões. Como
propor, então, que volte a pagar depois de inativo? Pois bem. Fizeram a Emenda,
nós estamos pagando, e ninguém se manifestou.
Outra questão, então, é a questão da
própria pensão por morte. Também tem de modificar. Vejam o que eu disse a
respeito do regime europeu, onde o quadro de beneficiários é muito severo – não
é possível tanta gente pendurada na Previdência Social. É ou aposentado e seus
dependentes efetivos. Estava conversando com a Professora Magadar: não as
pessoas que já recebem. Há pessoas que recebem uma aposentadoria porque se
aposentou, a pensão do marido e a pensão do filho. O que é isso? Isso não é
espírito da Previdência Social. A Previdência Social não está aí para fazer uma
pessoa milionária. Imagine você receber três benefícios? Eu recebo dois, porque
eu contribuí para dois. Eu recebo do Ipesp, como Procuradora, e recebo da
Carteira dos Advogados, porque eu paguei. Eu paguei o plano de seguro. Paguei.
Estou recebendo. E, querida, eu não conheço nenhuma pensão da carteira – até
pode ter, posso me enganar – que equivalha a dez salários mínimos. Eu contribuí
por longo tempo. É mil e quatrocentos reais. Mil e quatrocentos e poucos reais.
Mas, se tiver, me comprove isto.
Então o que vai acontecer? Uma das
emendas deu uma nova redação ao artigo 40 da Constituição, que, na redação
original – essa é a primeira Constituição de 88 que eu comprei; não joguei fora,
porque é uma preciosidade. Ela está amarela, de tanto consultar em aula. Mas
não pode jogar fora, porque é a redação original, cheia de anotações minhas.
Então, o artigo 40 dizia o seguinte, parágrafo quinto: “O benefício da pensão
por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido
até o limite estabelecido em lei.” Os senhores ouviram bem? Agora ele diz o
seguinte, parágrafo sétimo do artigo 40: “Lei disporá sobre a concessão do
benefício de pensão por morte, que será igual ao valor da totalidade dos
proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido pelo regime geral da Previdência”,
que é exatamente o que o SPPrev vai adotar. Que é inconstitucional. Nós temos
de estabelecer os limites.
Então como é a Lei nº 4.832/58, o que
ela dizia? Dizia: “A pensão por morte será de 75% sobre o vencimento ou os
proventos do servidor falecido.” Por que 75%? Porque, de acordo com a matemática
atuarial, supõe-se que o servidor vivo gaste consigo 25% do seu salário ou da
sua aposentadoria, e destine à sua família 75%. Isso é cálculo atuarial.
Matemática. Aí vem a Emenda de quem não conhece Previdência Social, e faz com
que a pensão por morte seja igual. Vejam, tirou a palavra “corresponde”.
“Corresponde” queria dizer “a totalidade era a base do cálculo de 75%.” Então agora
é igual. Quer dizer, desconhece totalmente a matemática atuarial. Ou, em
palavras vulgares, o morto vale mais morto do que vivo – porque, quando vivo,
ele gastava com ele alguma coisa, ou não? Cigarro, roupa, calçado. O seu marido
gasta alguma coisa com ele, do salário dele; e o resto ele destina à família.
Agora não; a pensão por morte é igual ao vencimento ou provento do servidor falecido.
Quer dizer: ele vale mais morto do que vivo, porque vivo ele gastava alguma
coisa com ele. Morto, é a totalidade que vai para a viúva. Viúva que pode, por
sua vez, ter um salário até superior, pode, por sua vez, já ter uma
aposentadoria, porque ela se aposentou. Ou seja, é uma loteria esportiva que
ela está recebendo. Porque vocês viram que, no sistema europeu, a esposa do
trabalhador falecido somente receberá pensão por morte se for maior de 65 anos ou
inválida. Fora disso, não tem benefício da Previdência Social. Porque
Previdência Social não é herança. Se você quer deixar a sua esposa bem, o seu
marido bem, a sua família bem, você faça uma economia. Faça uma economia,
trabalhe duro, deixe uma bela herança. Mas Previdência não é herança. As
pessoas pensam que Previdência é herança: “Ah, quando eu morrer, eu quero
deixar uma pensão ótima para a minha família.” Previdência é economia de grupo.
Somente o grupo que contribui pode formar benefícios para um grupo que recebe –
que se cada um for pensar apenas enquanto a sua esposa, a sua família for
receber, isso não é Previdência Social. Isso é herança. E Previdência, por
definição, não é herança. Especificamente, o regime dos servidores públicos,
como fica? Então nós vimos aqui um filme próximo do regime dos servidores
públicos. Agora, vamos ver. O servidor público, o que ele é? É um trabalhador,
em primeiro lugar. Ou seja, ele faz parte daquele segmento social que sustenta
a sociedade toda vida. Nós, trabalhadores, sustentamos a sociedade com os
nossos impostos, com as nossas contribuições. Nós apenas recebemos o nome de
servidores públicos; mas nós somos, em primeiro lugar, trabalhadores. E, sem nós,
batendo carimbo, carregando processo, dando pareceres, preparando despachos ou
coisa que o valha, sem nós, o Estado não pode cumprir as suas finalidades. É o
servidor o braço físico do Estado: Estado é um ser abstrato, é uma criação do
espírito humano.
O que existem são servidores
públicos, em toda a sua acepção – desde o Presidente da República até o
contínuo, somos todos servidores do público. E isso precisa entrar na cabeça de
muita gente. E o que é, então, esse servidor público? Ele vem sendo, por
exemplo, achacado, ou coisa que o valha, com a idéia de que nós somos ameaça ao
país, porque nós recebemos aposentadorias integrais. A grande pecha que se faz
ao servidor público é que nós recebemos aposentadoria integral. Ou seja, quando
nós trabalhamos todo aquele tempo para o público, na pessoa do Estado, que é o
nosso patrão, e contribuímos e recebemos o nosso benefício, nós recebemos um
prêmio. Um prêmio. Quem cumpriu o tempo todo. Eu, por exemplo, me aposentei por
tempo. 33 anos de serviço público. Agora, quando você se aposenta no regime
geral, você não recebe prêmio; você recebe uma pena, uma penalidade, porque
você vai ter de viver com menos do que você ganhava na ativa. Esse é o regime
geral que estão querendo impingir a uma boa parte dos servidores públicos
brasileiros, por causa dessas distinções que se faz entre efetivos,
extranumerários, contratados, terceirizados, enfim. No fim, você está cumprindo
serviço público, mas você é discriminado, porque um grande mal brasileiro é não
haver concurso público. Isto que aconteceu aqui, de fazer um processo seletivo
– nós sabemos que processo seletivo não é uma coisa boa. Tem de fazer concurso,
com regra igual para todo mundo. Processo seletivo se processa dentro das
repartições, e pode levar a protecionismo; nós sabemos disso. Mas, enfim, pelo
menos existe um processo seletivo.
Então somos todos servidores
públicos. Portanto, o bom seria que o trabalhador brasileiro tivesse o mesmo
regime nosso; que, ao se aposentar, recebesse o salário integral, e não nos ameaçarem,
nos ridicularizarem com o que nós recebemos, a aposentadoria integral. O ideal
seria que o trabalhador recebesse também o seu salário integral. Evidente, com
um teto – para um executivo. Um executivo de uma empresa. Não vá comparar o
executivo com o trabalhador comum. A lei veria isso. Por quê? O que é, afinal de
contas, a administração pública? Administração pública quer dizer “aqui, o
Estado em ação”, “o Estado agindo”, “o Estado prestando serviços aos seus
cidadãos e às pessoas que vivam dentro do Brasil.” Eu costumo citar um autor
que não é muito conhecido aqui no nosso Direito Brasileiro, mas ele tem uma
frase muito importante, que diz: “A nossa liberdade depende muito mais da administração
pública do que da própria Constituição.” E isso é fácil de entender, porque a
Constituição garante o direito à liberdade, mas é a administração que
possibilita o exercício do direito à liberdade – prestando serviços, atendendo
ao cidadão, dando explicações, contas transparentes. E aí entra também o papel
atual dos Tribunais de Contas, que nós ainda não reconhecemos, que os Tribunais
de Contas mudaram no Brasil, depois de 88, quando a Constituição atribui ao
Tribunal de Contas julgar. É um ato de decisão. Esse julgamento chega na Assembléia,
a Assembléia não pode engavetar; ela tem de seguir o
julgamento do Tribunal de Contas. Mas
nós ainda nos apercebemos que mudou totalmente a posição dos Tribunais de Contas
no país. E as Assembléias e os Parlamentos continuam a agir com o Tribunal de Contas
como se ele apenas desse pareceres. Na verdade, o Tribunal de Contas julga,
também, uma matéria que é da sua específica capacidade.
E um grande cientista político norte-americano,
o Presidente Wilson, que também era professor e cientista político – em um
trabalho dele, que eu tenho aqui, sobre administração pública –, ele diz que o
funcionário civil, ou seja, o administrador, é a pessoa mais importante do
Estado. Por importantes que possam ser os legisladores, os juízes, ou mesmo o
chefe do Poder Executivo, o destino do Estado depende, realmente, da presença,
na administração pública, de uma adequada espécie de homens. É da administração
que surge a maioria de idéias, que depois se transformam em leis, e se transformam
em princípios orientadores. Portanto, para ele, o servidor público, o
administrador, é a pessoa mais importante do Estado. Como eu acabei de dizer:
desde o Presidente da República até o contínuo, até a pessoa que bate carimbos,
até o motorista que nos conduz, somos nós que fazemos o Estado agir. É através
de nós; nós somos os braços, as pernas e, às vezes, a própria cabeça do Estado.
Portanto, terminando, essa classe dos trabalhadores públicos é muitíssimo importante.
Faz parte daquele segmento que mantém a sociedade brasileira viva. Bem, em
conclusão, o que fazer? O que fazer, então? Nós estamos vendo os novos
contratos sociais, estamos vendo as mazelas do sistema previdenciário
brasileiro, estamos vendo que as reformas não enfrentaram o problema do “quantum”
da pensão mensal por morte, mandando fazer igual ao que o trabalhador recebia
em vida. Isso não é matemática atuarial. O quadro de beneficiários, no Brasil,
ainda é muito grande, de pessoas penduradas na Previdência. As senhoras viúvas,
que têm economia própria, não podem ser dependentes da Previdência.
Previdência não é herança.
Previdência é contrato social de grupo, que passa de uma geração para outra
geração. Rever todo o sistema previdenciário de acordo com os princípios da
Previdência Social.
Nós é que temos de exigir uma reforma
previdenciária como deve, regida pelos princípios da Previdência Social:
mudança no quadro de benefícios, mudança no quadro de beneficiários, extirpando
as anomalias criadas pelas Emendas Constitucionais, que se ressentem de tamanha
inconstitucionalidade, dando efetiva proteção aos trabalhadores, que somos nós,
e que mantemos a sociedade viva, em nome do grande princípio da segurança
jurídica para todos.
É isso que eu tinha a dizer, e
agradeço muito a atenção dos senhores.
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